Augustus Nicodemus Lopes
O crescimento do interesse pela fé reformada em
todo o mundo é um fato que tem sido notado aqui e ali pelos estudiosos de
religião. Crescem em toda a parte a publicação de literatura reformada, o
ingresso de estudantes em seminários e instituições reformadas, a realização de
eventos, o surgimento de novas igrejas e instituições de ensino reformadas e o
número de pessoas que se dizem reformadas.
Como se trata de um rótulo, é preciso definir
“reformado.” Como já temos dito em outros posts neste blog, por “reformado”
entendemos aquele que adere a uma das grandes confissões reformadas produzidas
logo após a Reforma protestante no século XVI, aos cinco grandes pontos dessa
Reforma, que são Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fides, Solus Christus e Soli
Deo Gloria e aos chamados Cinco Pontos do Calvinismo, resumidos no
acrônimo TULIP (Depravação total, Eleição incondicional, Expiação limitada,
Graça irresistível e Perseverança final). Muito embora alguns não gostem do
nome, quem adere a tudo isso acima não deixa ser um calvinista.
Como bem me lembrou Mauro Meister quando eu
escrevia esse post, existe um grande número de igrejas que são da
"tradição reformada" mas que já não crêem de maneira ortodoxa quanto
a estas doutrinas. Geralmente essas igrejas não estão experimentando esse
crescimento, mas um esvaziamento, como a Igreja Presbiteriana dos Estados
Unidos e outras denominações historicamente ligadas à Reforma, mas que já não
professam de forma estrita seus postulados.
Da Coréia, China, Indonésia, por exemplo, chegam
relatórios do florescimento calvinista. É claro que o calvinismo acaba
recebendo diferentes interpretações e expressões em tantas culturas variadas,
mas os pontos centrais estão lá.
Isso não quer dizer que os reformados calvinistas
são muito numerosos, comparados com pentecostais e arminianos, por exemplo. O
que eu quero dizer é que os relativamente poucos reformados calvinistas têm
experimentado um crescimento que já chama a atenção de muitas denominações e
tem provocado alertas da parte de seus líderes.
Vejam o que está ocorrendo na maior denominação
evangélica dos Estados Unidos, os Batistas do Sul. A prestigiosa revista
evangélica Christianity Today trouxe um artigo em que documenta a reintrodução do
calvinismo através dos seminários nessa denominação. O ressurgimento do
calvinismo entre os Batistas do Sul é mais antigo, leia aqui. Considerados de orientação arminiana
de longa data (apesar de alguns documentos fundantes serem calvinistas), os
Batistas do Sul estão vendo o calvinismo sendo transmitido nos seminários, não
tanto por professores, mas pelos próprios alunos. Alarmada, a Convenção Batista
de Oklahoma oficialmente rejeitou a teologia reformada e mandou cópia da
condenação para a Comissão Executiva da Convenção Batista do Sul.
De acordo com o artigo da Christianity Today, 10%
dos pastores da Convenção já se declaram calvinistas e perto de 30% dos
concluintes dos seminários fazem a mesma afirmação. A continuar nesse ritmo, em
breve teremos um grande reavivamento calvinista no coração da maior denominação
arminiana conservadora dos Estados Unidos. Veja aqui a história de como a doutrina da
predestinação chegou a dois seminários arminianos.
A ressurgência calvinista nos Estados Unidos não
está ocorrendo somente entre os Batistas, mas entre muitas outras denominações.
Leia aqui um artigo da Christianity Today sobre
o assunto. Um dos motores é o ministério de pastores reformados populares, como
John Piper, R. C. Sproul, Mark Driscoll, J. C. Mahaney, Paul Washer e John
MacArthur, entre outros. Os eventos promovidos por eles recebem milhares de
pastores de todas as denominações e seus livros são traduzidos em dezenas de línguas,
inclusive em português. No Brasil temos quase todos os títulos destes autores.
Em menor escala, estamos assistindo ao mesmo
processo em meio aos batistas brasileiros. Cresce o número de batistas
interessados na teologia reformada. Recentemente assistimos à formação da
Comunhão Batista Reformada, composta de batistas calvinistas que não conseguiam
mais espaço em suas convenções para expressarem as suas opiniões.
Mas, o interesse maior na fé reformada no Brasil
parece ser da parte dos pentecostais. Cresce a presença de pastores e líderes
pentecostais nos grandes eventos reformados no Brasil. Cresce também o número
de pentecostais que estão adquirindo literatura reformada. E cresce o número de
igrejas pentecostais independentes que estão nascendo já com uma teologia
influenciada pelo calvinismo. Algumas denominações pentecostais também vêm
recebendo a influência calvinista a passos largos. Tenho tido o privilégio de
pregar e ministrar palestras em eventos de grande proporção organizados por
instituições pentecostais interessadas em explorar os grandes temas reformados.
O ministério de editoras que publicam material
reformado, como a Editora Cultura Cristã, a Fiel e a Publicações Evangélicas
Selecionadas, por exemplo, tem servido para colocar as obras de reformados
brasileiros e internacionais nas mãos dos evangélicos brasileiros ávidos por
uma teologia consistente, e cansados dos excessos do neopentecostalismo e da
aridez do liberalismo teológico.
Não tenho uma explicação definitiva para esse
fenômeno do retorno da TULIP, a não ser a de que a providência divina assim o
deseja. No mínimo, é curioso que uma fé tão perseguida e odiada como o
calvinismo, de repente, passe a ter tanta aceitação. Não há ninguém na história
da Igreja tão mal entendido, distorcido, vilipendiado, odiado e amaldiçoado
quanto João Calvino. Chamado de tirano, déspota, incendiário de hereges, frio,
duro, determinista, criador do capitalismo selvagem, Calvino tem sofrido mil
mortes nas mãos de seus detratores, os quais, na maioria das vezes, nunca leram
sequer uma de suas obras, e que formaram sua opinião lendo obras de terceiros.
Somente espero que, à medida que o movimento cresça
no Brasil, os reformados aprendam a reter o que é essencial e bíblico na
Reforma, sem tornar em matéria de fé aquilo que pertenceu a séculos passados em
outras culturas, como, infelizmente, já tem acontecido no Brasil com alguns
grupos. Que eles lembrem que a fé bíblica, que é a fé da Reforma, também pode
se expressar dentro da rica e variada cultura brasileira.
Fonte: http://tempora-mores.blogspot.com/
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