I. A
1. A meta da nova vida em Cristo é que os filhos de Deus demonstrem a melodia e a harmonia de Deus em sua conduta. Que melodia ? A canção do Deus de justiça . Que harmonia ? A harmonia entre a justiça de Deus e a nossa obediência .
Andando unicamente na maravilhosa lei de Deus , podemos estar seguros de nossa adoção como filhos do Pai .
A lei de Deus contém em si mesma a dinâmica da nova vida por meio da qual Ele restaura sua imagem em nós . Porém , por natureza , somos preguiçosos e negligentes ; portanto , necessitamos da ajuda e do estímulo de um princípio que nos guie em nossos esforços . Um arrependimento sincero de coração não garante que não venhamos a nos desviar do caminho reto . E, como agravante , muitas vezes , nos encontramos perplexos e desconcertados .
Busquemos, pois , na Escritura , o princípio fundamental para reformar e orientar nossa vida .
2. A escritura contém um grande número de exortações . E, para tratar de todas elas , necessitaríamos de um grande volume .
Os Pais da Igreja escreveram grandes obras sobre as virtudes necessárias à vida cristã. São escritos de um significado tão valioso que nem os eruditos mais hábeis poderiam esgotar as profundidades de uma só virtude .
3. Ninguém deveria tirar a conclusão de que a brevidade de um tratado sobre a conduta cristã faz com que os escritos elaborados por outras pessoas sejam supérfluos , ou que sua filosofia não tenha valor .
Os filósofos são ambiciosos e, por conseguinte , demonstram uma estranha lucidez e uma hábil ingenuidade. Mas as Escrituras têm uma esplêndida precisão e uma certeza que supera todos os filósofos.
Os filósofos, amiúde , fazem demonstrações comovedoras; mas o Espírito Santo tem um método diferente (direto , simples e compreensível ), o qual não deve ser subestimado[2].
II. A santidade é o princípio-chave
1. O plano das Escrituras para a vida de um cristão é duplo: primeiro , que sejamos instruídos na lei para amar a retidão, porque por natureza não estamos inclinados a fazê-lo; segundo , que aprendamos umas regras simples mas importantes , de modo a não desfalecermos nem nos debilitarmos em nosso caminho .
Das muitas recomendações excelentes que as Escrituras fazem, não há nenhuma melhor que este princípio : “Sede santos porque eu sou santo ”.
2. Ao ouvirmos qualquer menção de nossa união mística com Cristo , deveríamos recordar que o único meio dele desfrutá-la é a santidade .
A santidade não é um mérito por meio do qual podemos obter a comunhão com Deus sem um dom de Cristo , pois é Ele quem nos capacita para estarmos unidos à Sua pessoa e a segui-lo.
É a própria glória de Deus que não pode ter nada a ver com a iniqüidade e a impureza ; portanto , se queremos prestar atenção à sua exortação , é imprescindível que tenhamos sempre presente esse princípio .
Se no transcurso de nossa vida cristã queremos permanecer vinculados aos princípios mundanos , para que então fomos resgatados da iniqüidade e da contaminação deste mundo ?
Se desejamos pertencer a seu povo , a santidade do Senhor nos admoesta a que vivamos na Jerusalém santa de Deus .
Jerusalém é urna terra santa ; logo , não pode ser profanada por habitantes de conduta impura .
O salmista disse: “Jeová , quem habitará em teu tabernáculo? Quem morará em teu monte santo ? O que anda em integridade, faz justiça e fala a verdade em seu coração ”.
O santuário do altíssimo deve manter-se imaculado (ver Lv 19.2; I Pd 1.16; Is 35.10; SI 15.1,2 e 24.3,4).
III. A santidade significa obediência total a Cristo
1. As escrituras não nos ensinam somente o princípio da santidade , mas também nos diz que Cristo é o caminho a este princípio .
A virtude mais sublime de acordo com os filósofos é viver a vida de acordo com a natureza . Todavia , as Escrituras nos mostram Cristo como nosso modelo e exemplo perfeitos .
Deveríamosexibir o caráter de Cristo em nossas vidas , pois o que pode ser mais efetivo para nosso testemunho e de mais valor para nós mesmos ?
Deveríamos
2. O senhor nos tem adotado para que sejamos Seus filhos sob a condição de que revelemos uma imitação de Cristo , que é o Mediador da nossa adoção .
A menos que nos consagremos de maneira devota e ardente à justiça de Cristo , não só nos afastaremos de nosso Criador , como também estaremos renunciando voluntariamente ao nosso salvador .
3. As Escrituras fazem sua exortação com as promessas sobre as incontáveis bênçãos de Deus e o fato eterno e consumado da nossa salvação.
Uma vez que o Espírito Santo nos tem consagrado como templos de Deus , proponhamos a nós mesmos , em nossos cora ções, não profanar Seu santuário ; antes manifestemos Sua glória .
IV. Um cristianismo externo não é suficiente
1. Perguntemos àqueles que não possuem nada mais do que a membresia de uma igreja e que apesar disso desejam ser chamados de cristãos , como podem glorificar o sagrado nome de Cristo .
O apóstolo disse que ninguém que não tenha posto de lado a velha natureza , com sua corrupção e concupiscências , pode dizer que tenha recebido o verdadeiro conhecimento de Cristo .
O conhecimento externo de Cristo é só uma crença perigo sa, não importando quão eloqüentes possam ser as pessoas que o têm.
2. O evangelho não é uma doutrina do discurso , mas da vida . Não se pode assimilá-lo por meio da razão e da memória , única e exclusivamente , pois só se chega a compreendê-lo, total mente , quando Ele possui toda a alma e penetra no mais profundo do coração .
Os cristãos nominais devem parar de insultar a Deus jactando-se de serem aquilo que não são .
Devemos ater-nos, em primeiro lugar , ao conhecimento da nossa fé , pois ela é o princípio da nossa salvação.
A menos que nossa fé ou religião causem uma mudança em nosso coração e em nossas atitudes nos transformando em novas criaturas , não nos serão muito proveito .
3. Os filósofos condenam e excluem de sua companhia todos aqueles que professam conhecer a arte de viver a vida , considerando-os apenas como crianças gaguejantes.
Comparadas com as convicções , os afetos e a força sem limites dos verdadeiros crentes , as exortações dos filósofos são frias e sem vida (ver Ef 4.20 e ss).
V. O progresso espiritual é necessário
1. Não devemos insistir em uma perfeição absoluta em nos sos companheiros cristãos , por mais que lutemos por consegui-la nós mesmos .
Seria injusto exigirmos uma perfeição evangélica antes de constatarmos se uma pessoa é verdadeiramente cristã.
Se instituíssemos uma norma de perfeição total para os cristãos , não existiria nenhuma igreja , posto que todos nós estamos muito longe de serem cristãos de fato ideais Afinal , teríamos que recusar muitos que só podem fazer um progresso lento .
2. A perfeição deve ser a meta final para a qual devemos dirigir-nos e o propósito supremo em nossas vidas .
Uma mente dividida está em conflito com a vida espiritual , posto que esta implica uma devoção sincera a Deus em busca de santidade e retidão .
3. Deixemos que cada um proceda de acordo com a habilidade que lhe foi dada e continue assim a peregrinação em que se tem empenhado.
4. A única condição para o verdadeiro progresso espiritual é a de que permaneçamos sinceros e humildes .
Mantenhamos em mente nossa meta final e avancemos sobre ela com toda a nossa vontade .
Exercitemos com diligência para alcançarmos uma norma mais alta de santidade , até que tenhamos chegado ao melhor de nossa qualidade espiritual , na qual devemos persistir ao longo da nossa vida . Somente chegaremos à perfeição absoluta quando, libertados deste corpo corruptível , formos admitidos por Deus em Sua presença .
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Fonte : A Verdadeira Vida Cristã, João Calvino, Fonte Editorial , 4ª edição , 2008, págs. 21-28.
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Notas :
[1] Aqui Calvino insere: “Não sou a pessoa certa para escrever copiosamente já que amo a brevidade . É provável que o intente no futuro ; de todas as formas , deixarei esta tarefa para os outros ”.
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