Antognoni Misael, editor do espaço Arte de Chocar e colunista do Púlpito Cristão entrevistou Gladir Cabral, um dos maiores representantes da boa música cristã. O resultado você confere à seguir:
PúlpitoCristão:Em 2009 foi lançado o DVD CasaGrande, umtrabalho diferenciado tantopelaformatação de cenário, textura musical e letras recheadas de imaginário, poesia e celebração a vida. O que vem poraí no próximo DVD? Alguma outranovidade podemos aguardar?
Gladir Cabral: O primeiro DVD foi uma surpresaque ocorreu emminhavida, umpresente de Deus. Não desejei nem planejei realizá-lo. Fui procurado pelosamigos da Luzpara o Caminho, que fizeram a proposta. Não tenho planosparaoutro DVD e talvez essa experiêncianuncamais venha a se replicar. Tenho vontade, sim, de gravaroutro CD, voz e violão, algobemsimples e despojado, masaindanão tenho persepectiva de comoisso venha a ocorrer.
PúlpitoCristão: Músicascomo “CasaGrande” e “Terraemtranse” trazem abordagens interessantes sobrequestõessociais, de meioambiente. Na suaótica, o quetorna uma música cristã, mesmoque esta trate de assuntosseculares? E comovocê relaciona adoração e música?
Gladir Cabral: Seguindo uma tradição Reformada, não vejo fronteiras definidas que separem atividades sagradas e mundanas. A vida cristã é umtodoindivisível. MinhaféemCristo está diretamenteligada à minhavidafamiliar, profissional, pessoal e social. Vivosegundo o princípio de Colossenses 3.17: “Tudo o que fizerem, seja empalavraouemação, façam-no emnome do Senhor Jesus, dando pormeio dele graças a DeusPai”. Portanto, não há compartimento desvinculado do Reino de Deusemmeuviver. Dessa maneira, quandocantosobre o meioambienteousobre os dilemas da escravidãohumana, faço-o tranquilamente, tentando ver todas as coisassob a ótica da féemCristo. A partir de Romanos 12, entendo a vida, emtodos os seus variados aspectos e tensões, comoumserviço de adoração a Deus. Nesse sentido, todas as minhascanções estão diretamente relacionados a esse “cultoracional”, no seusentidomaisamplo, existencial, histórico, corporal. Entretanto, nem todas as cançõessão litúrgicas no sentidoconvencional, vistoquenãosãodiretamente relacionadas a uma parte da liturgia tradicional oumesmocontemporânea. Mesmo as quenãosão “litúrgicas”, costumo cantá-las emminhaIgreja, quandoprego, geralmenteparailustrar uma parte da mensagemouemalgumoutromomento do culto.
Não há música cristã, há cristãosque fazem música. Umcristão pode cantarváriosgêneros musicais, lerváriospoemas, contarhistórias, parábolas, romances. Se umcantorsecular, semqualquerexperiênciapessoalcomDeus, canta “Amazing grace” paraumfilme de Hollywood, ele está cantando só uma músicapopular. Se umcristãosinceramentecanta “Amanhã, vai serumnovodia, da maisloucaalegria….” e a enche de plena significação, essa canção deixou de sersó uma música pop. Paramim, o grandecritérioparaavaliar uma cançãopopularouqualquerforma de artefeitaporcristãos é saberatéquepontoela reflete, abrigaou transmite os valores do Reino de Deus. Às vezes, a mensagem cristã pode estarexplícita na letra, outras vezesela pode estarimplícita. Tudo depende da horaemque se canta, do local e paraquem se cantam as canções.
PúlpitoCristão: O Cristão pode tocarsecularmente? Você o faz?
Gladir Cabral:Como disse, não creio na dicotomiareligioso vs secular. Entendo a profissão de músicocomodignaparaserseguidaporqualquercristão, seja numa bandamilitar, numa orquestra sinfônica, num grupo de jazz, num estúdio, etc. Entretanto, certosambientessãopotencialmente perigosos paraqualquerpessoa e a longoprazo podem trazerdanos à saúde e à vidafamiliar. Conheço muitosmúsicosque tocam na noite, mas estabelecem limites, seguem princípiossobre o quetocar, atéquando e emqueambiente. Muitos deles não fazem o que gostam e admitem as dificuldades. Acabam tocando umrepertóriopobre, porobrigação, e não o que gostariam de tocar.
Eunão sou músicoprofissional, sou professor. Serprofessorhoje é tãodifícilquantosermúsico. Na verdade, qualquerprofissionalcristãoemqualquerárea enfrentará dilemaséticos, conflitos, lutas, provações e correrá riscos. E creio firmementeque é precisoque haja cristãos comprometidos com o evangelho de Cristo tocando na noite, nas feiras, nos hotéis, a fim de darem testemunho do evangelho. Issonão é nadafácil.
PúlpitoCristão: Ao que notamos, a relação “imaginação/criação” e “Deus/igreja” passapor uma criseséria no Brasil. Gostaria que explanasse umpoucosobre a relevância da criatividade na vida cristã e na igrejabaseadoemsuaexperiência de vida.
Gladir Cabral: A imaginação é uma dimensãoimportante da vidahumana. O Criadornos fez com essa capacidadecriativa. Todos os inventosquehoje utilizamos emnossodia a dia foram umdia imaginados na cabeça de alguém e depois viraram projeto. Semimaginação, não há transformação da realidade, não há alegria, não há vida. A própriaEscritura foi feita utilizando o recurso da imaginação: histórias, parábolas, poemas, canções… Precisamos redescobrir o valor da imaginaçãoemnossaprática cristã cotidiana, na comunicação do evangelho, na arte, na vidadiária. Há umgrupo de cristãosnosEstados Unidos que desenvolve umprojetomuito interessante emrelação ao uso da imaginação na leitura das Escrituras, sob a liderança do músicocristão Michael Card: http://www.biblicalimagination.com.
PúlpitoCristão: Jásãosete Cd’s, um DVD, belas canções, mesmoassim dificilmente encontraremos Gladir Cabral nas paradas do “Sucesso Gospel”. Queria que falasse umpoucosobreseuposicionamento no mercadofonográfico, seupúblico, suaarte, seussonhos.
Gladir Cabral: Não estou no mercado gospel e não pretendo estar. A músicaemminhavida é vocação, ministério. Paramim as cançõessãoparte de minhavida e de minhaatuação no mundocomoserhumano e comoservo de Deus, nãosãoprodutos a serem vendidos, rotulados, comprados, etc. Estou tranquilo emrelação a isso. Vou levando desse jeito, ocupando espaçosqueme cabem, aceitando convitesparapregar e cantar nas igrejas, universidades, colégios, interagindo com as pessoasvia web e pessoalmente.
PúlpitoCristão: Quais foram as suasinfluências musicais, e queria que citasse algunsnomesatuaisquevocê tem porreferência.
Gladir Cabral: Minhasinfluências musicais foram muitas e não tenho comolembrar de tudo o que ouvi e queme influenciou ao longe da vida: a músicacaipira, os hinosantigos, os Beatles, Bob Dylan, Chico Buarque, Gil, o Clube da Esquina, Beto Guedes, Milton, Mercedes Sosa, Violeta Parra, Victor Jara, Vencedores porCristo, Jorge Camargo, João Alexandre… Quemmais? Não dá paranomear. Na músicapopularcontemporânea, há muitagente fazendo coisas belíssimas: Mônica Salmaso, Lenine, Sara Tavares, Dulce Pontes… Não ouço rádio. Quandoqueme interesso porummúsico, pesquiso e passo a ouvi-lo.
PúlpitoCristão: Comqueperspectivavocê avalia a igrejabrasileiraatual, e a músicaevangélicaemgeral.
Gladir Cabral: Não há igrejabrasileiraatual, há igrejas brasileiras. A realidade é muitocomplexa e não dá parageneralizar. Ninguém representa a Igrejabrasileirahoje. Ninguém pode falaremnome dela. Temos um amontoado de movimentos, instituições religiosas, denominações, seitasmil… Cristonão pode ser confundido comissotudo. Hojeemdiaatémesmo o título de evangéliconãoquerdizernada. Porexemplo, eunãome sinto representado pelachamadabancadaevangélicaem Brasília. Aliás, não quero qualquervinculaçãocomeles. Sou cristão, e só. Sou pastor reformado, e só.
A músicachamadaevangélicatambém está na mesmaconfusão. Nãogosto de música gospel. Elanãome diz nada, nãometoca. Respeitoquem a faz, masnãoconsigo ouvi-la e muitomenos cultivá-la. Gosto dos hinosantigos. Gosto de músicanãocomercial, gosto do artesanal, do pessoal, do autêntico. Gosto de músicapopularbrasileiraemseusentidoamplo e verdadeiramente popular, não no sentidoque a mídia rotula.
Ouço commuitaatenção e prazer o som de Jorge Camargo, Gerson Borges, João Alexandre, Stênio Marcius, Nelson Bomilcar, Aristeu Pires, Vencedores porCristo, Diego Venâncio, Silvestre Kuhlmann, Vencedores, Glauber Plazza, Fabinho, Vencedores, Carlinhos Veiga, Rubão, Roberto Diamanso, Sal da Terra, Alma e Lua, Aline Pignaton, Banda de Boca, Gerson Samuel, Crombie, e muitomaisgentequenão citei. Fora do Brasil, acompanho os passos de Michael Card, Sara Groves, Phill Keaggy, Andrew Peterson…
PúlpitoCristão: Gladir, desdejá queremos agradecerpelocarinhoque fomos recebidos e pelasuadisponibilidade. QueDeus possa te abençoe grandemente. Alguma consideraçãofinal a fazer?
Gladir Cabral: Muitoobrigadopeloconvite. Embora a música seja uma dimensãoimportante da minhavida, há outrapartequeamotambémprofundamente: o silêncio. Costumo silenciarmeucoraçãoemoração. Esseexercício tem me ensinado muito a ouvir a voz do Senhor, a esperar, a aquietar o coração. Estar aos pés do Senhor, como fez Maria, é a melhorparte (Lc 10.38-42).
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