quinta-feira, 31 de março de 2011

CALVINO E O ZELO DE EXPOR A GLÓRIA DE DEUS



Em 1538, o cardeal italiano Sadoleto escreveu aos líderes de Genebra tentando reconquistá-los novamente para a Igreja Católica Romana, depois de terem se voltado aos ensinamentos reformados. Ele começou sua carta com um longo parágrafo conciliatório sobre a preciosidade da vida eterna, antes de começar com suas acusações contra a Reforma. Calvino escreveu a resposta a Sadoleto em seis dias no outono de 1539. Foi uma das suas primeiras obras, que espalhou seu nome como reformador por toda a Europa. Lutero a leu e disse: "Eis aqui uma obra que possui mãos e pés. Alegro-me em saber que Deus levanta homens como este".

A resposta de Calvino a Sadoleto é importante, pois revela a raiz da disputa de Calvino com Roma, que definiria toda a sua vida. O assunto não inclui, principalmente, os pontos característicos e bem conhecidos da Reforma: justificação, abuso sacerdotal, transubstanciação, oração aos santos e autoridade papal. Todos esses itens serão discutidos. Mas, sob todos estes, o assunto fundamental para João Calvino, desde o começo até o fim da sua vida, era a centralidade, a supremacia e a majestade da glória de Deus. Ele na carta de Sadoleto a mesma coisa que Newbigin no evangelicalismo moderno cheio de si.

Aqui está o que Calvino disse ao cardeal: "[Teu] zelo por uma vida santa [é] um zelo que mantém um homem inteiramente devoto a si mesmo e não o desperta, em nenhum momento, a santificar o nome de Deus". Em outras palavras, mesmo a verdade preciosa a respeito da vida eterna pode ser bastante distorcida e deslocar Deus do centro e do alvo. Esta era a principal contenda de Calvino com Roma. Isso sempre aparece em seus escritos. Ele continua e diz a Sadoleto o que ele deveria fazer — e o que Calvino almeja fazer toda sua vida"colocar à frente [do homem], como motivo primordial de sua existência, zelo para demonstrar a glória de Deus".

Esse seria o tema apropriado de toda vida e trabalho de João Calvino - -zelo para ilustrar a glória de Deus. O significado essencial da vida e da pregação de João Calvino é que ele recuperou e incorporou uma paixão pela realidade e pela majestade absoluta de Deus. Meu desejo é que vejamos isso mais claramente. Benjamin Warfield disse o seguinte acerca de Calvino: "Nenhum homem jamais teve um senso tão profundo de Deus como ele". Eis aqui a chave para a vida e teologia de Calvino.

Geerhardus Vos, estudioso do Novo Testamento, em Princeton, no ano de 1891, perguntou: Por que, ao contrário de muitos outros ramos da cristandade, a teologia reformada foi capaz de compreender a plenitude da Escritura? Ele responde: "Porque a teologia da Reforma apropriou-se das Escrituras em sua raiz, em sua idéia mais profunda (...) Essa idéia arraigada que serviu como chave para desvendar os ricos tesouros das Escrituras foi a preeminência da glória de Deus na consideração de tudo o que havia sido criado". É essa orientação inflexível para a glória de Deus quecoerência à vida de João Calvino e à tradição reformada que o seguiu. G. Vos disse que "o lema mais amplo da reformada, que a tudo abrange, é esse: a obra da graça no pecador é um espelho para a glória de Deus". Espelhar a glória de Deus é o sentido da vida e do ministério de João Calvino.
Quando Calvino chegou ao assunto da justificação em sua resposta a Sadoleto, ele disse: "Você (...) menciona a justificação pela , o tema primeiro e mais agudo da nossa controvérsia (...) Onde o conhecimento desse tema é removido, a glória de Cristo é extinta".8 Portanto, aqui podemos ver novamente o que é fundamental. Justificação pela é crucial. Mas há uma razão profunda que a torna tão crucial. A glória de Cristo está em jogo. Sempre que a compreensão da justificação é removida, a glória de Cristo é extinta. Esta sempre é a questão mais pro¬funda para Calvino. Que verdade e que comportamento irão "demonstrar a glória de Deus"?

Para Calvino, a necessidade da Reforma era fundamentalmente essa: Roma tinha "destruído a glória de Cristo de muitas maneiras — apelando aos santos para interceder, quando Jesus Cristo é o único mediador entre Deus e o homem; adorando a Virgem Santa, quando somente Cristo deve ser adorado; oferecendo um contínuo sacrifício na Missa, quando o sacrifício de Cristo na cruz foi completo e suficiente", elevando a tradição ao nível das Escrituras e até mesmo tornando a palavra de Cristo dependente da palavra do homem para sua autoridade. Calvino pergunta, no seu Comentário aos colossenses: "Por que acontece que sejamos 'levados pelos diversos ensinamentos estranhos' (Hb 13.9)?" E ele responde: "Porque a excelência de Cristo não é compreendida por nós". Em outras palavras, o grande guardião da ortodoxia bíblica por todos os séculos é a paixão pela glória e pela excelência de Deus em Cristo. Quando Deus não está no centro, tudo começa a mudar de lugar. Esse fato — não estar no centro - não prediz boas coisas para a fidelidade doutrinária em nossos próprios dias.

Portanto, a raiz unificante de todos os trabalhos de Calvino é sua paixão para expor a glória de Deus em Cristo. Aos 30 anos, descreveu uma cena imaginária na qual, ao final da sua vida, ao acertar as contas com Deus, dizia: "O Deus, o alvo a que dei primazia, e para o que diligentemente trabalhei, foi que a glória da tua bondade e da tua justiça (...) pudessem resplandecer claramente, para que a virtude e as bênçãos do teu Cristo (...) sejam plenamente expostas".

Vinte e quatro anos mais tarde, tendo permanecido inalterado em suas paixões e alvos, e um mês antes de dar, verdadeiramente, um relato a Cristo no céu (ele morreu com 54 anos), Calvino mencionou no seu último testamento: "Nada tenho escrito por ódio a ninguém, mas sempre tenho proposto com fidelidade o que considero contribuir para a glória de Deus".

O QUE É MORTIFICAÇÃO?

Por John MacArthur

Os cristãos têm uma obrigaçãonão para com a carne, mas em relação ao novo princípio de justiça personificado no Espírito Santo. Eles lutam, pelo poder do Espírito Santo, para mortificar o pecado na carne — "para mortificardes os feitos do corpo". Se você estiver fazendo isso, ele diz, "[viverás]" ( Rm 8.13).

É claro que Paulo não está sugerindo que alguém pode obter vida, mérito ou favor de Deus pelo processo da mortificação. Mas está dizendo que é uma característica de crentes verdadeiros o fato de mortificarem os feitos do corpo. Nada é mais natural para pessoas que são "guiadas pelo Espírito de Deus" (v.14) do que mortificar seu pecado. Uma das provas da nossa salvação é que fazemos isso. Espera-se isso dos crentes. É a expressão da nova natureza.

Em outras palavras, o crente verdadeiro não é como Saul, que queria mimar e preservar Agague, mas como Samuel que o despedaçou sem mercê e sem demora. Saul pode ter querido fazer de Agague um animal de estimação, mas Samuel sabia que isso era totalmente impossível. Da mesma maneira, nunca domesticaremos nossa carne. Não podemos afagar nosso pecado. Devemos tratá-lo com rapidez e de um modo severo. Foi o que disse Jesus:

Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não seja todo o teu corpo lançado no inferno. E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e nãotodo o teu corpo para o inferno (Mt 5.29,30).
É óbvio que Jesus não estava falando no sentido literal, embora muitos tenham entendido mal essa passagem. Ninguém menos que o próprio grande teólogo Orígenes castrou-se, num esforço mal orientado de cumprir esse mandamento literalmente. Jesus não estava proclamando a automutilação, mas sim a mortificação dos feitos do corpo. Mortificação, nas palavras do puritano John Owen significa que a carne, "com [suas] faculdades e proprie¬dades, [sua] sabedoria, astúcia, sutileza, força, deve, segundo o apóstolo, ser morta, afligida, mortificada — isto é, ter seu poder, vida, vigor e força para produzir seus efeitos, afastados pelo Espírito".

Romanos 8.12, 13, versos que Paulo usa para introduzir a idéia de mortificação do pecado, sinalizam para um grande ponto de alteração na linha de pensamento que percorre esse capítulo. Martyn Lloyd-Jones disse:

É aqui, pela primeira vez, nesse capítulo, que entramos no campo da aplicação prática. Tudo o que vimos até agora foi uma descrição geral do cristãoseu caráter, sua posição. Mas agora o apóstolo realmente explicita a doutrina da santificação. Aqui nos é dito exatamente como, na prática, o cristão se torna santificado. Ou, dizendo isso de uma outra maneira, aqui nos é dito em detalhes e na prática como o cristão deve travar a batalha contra o pecado.

Paulo não promete uma libertação imediata do assédio do pecado. Não descreve uma crise momentânea de santificação, quando o crente imediatamente se tornaria perfeito. Ele não diz aos romanos para deixarem as coisas na mão de Deus enquanto eles não fazem nada. Não sugere que uma "decisão em momento crítico" resolverá a questão de uma vez para sempre. Ao contrário, ele fala de uma luta contínua com o pecado, que devemos, de forma persistente e perpétua, "mortificar os feitos do corpo".

Essa linguagem é frequentemente mal-entendida. Paulo não está chamando as pessoas a uma vida de autoflagelação. Ele não está dizendo que os cristãos deveriam ser subjugados pela fome, literalmente torturarem o corpo, ou privarem-se das necessidades básicas da vida. Não está lhes dizendo para se mutilarem, abraçarem uma vida monástica ou qualquer coisa do tipo. A mortificação de que Paulo fala não tem nada que ver com uma autopunição exterior. E um processo espiritual realizado pelo "Espírito". Paulo está descrevendo uma forma de vida para sufocar o pecado, aniquilá-lo de nossa vida, sugar suas forças, extirpá-lo e impedir sua influência. Isso é o que significa mortificar o pecado.

terça-feira, 29 de março de 2011

O MINISTÉRIO DA IGREJA: O SACERDÓCIO UNIVERSAL DE TODOS OS CRENTES

Rev. Alexandre de Jesus dos Prazeres

A doutrina bíblica do “sacerdócio universal dos crentes” possui uma importância vital para compreensão do ministério da Igreja. Pois estabelece a razão de ser da Igreja, a sua essência, o que ela é, “sacerdócio real”. Essa doutrina descreve a Igreja como um povo sacerdotal.
Porém o sacerdócio da Igreja é explicado a partir do sacerdócio do próprio Cristo. Paul Stevens (2005, p.147), apresentando razões para o entendimento de que no Novo Testamento todos os crentes são descritos como tendo o seu sacerdócio derivado do Cristo, expõe as seguintes:

Primeira, o ministério do povo de Deus procede do elevado e permanente sacerdócio de Jesus; ele não é autogerado. Por causa disto, todo crente tem acesso direto a Deus por meio de Jesus e não precisa das penitências e absolvição de um sacerdote humano. Jesus é suficiente. Pelo fato de ele viver eternamente para interceder a nosso favor e porque os crentes estão unidos ao Senhor, a comunidade Cristã é uma comunidade sacerdotal em que todo crente pode ser chamado de sacerdote.

Segunda, todos os crentes participam do ministério sacerdotal contínuo de Cristo; ele não é agora desempenhado representativa ou substitutivamente por alguns escolhidos. Como diz a Carta aos Hebreus: “Temos, pois, um grande sacerdote sobre a casa de Deus. Sendo assim, aproximemo-nos de Deus com um coração sincero e com plena convicção da ” (Hb 10.21,22). “Consideremos uns aos outros para nos incentivarmos ao amor e às boas obras” (10.24). Este sacerdócio é tanto corporativo como individual.

Do mesmo modo, Calvino (2006, p.255), ao discutir o ofício sacerdotal de Cristo, apresenta o “sacerdócio dos crentescomo participação no sacerdócio de Cristo:

Agora Cristo exerce a função de Sacerdote, não para que, mercê da eterna lei de reconciliação, nos torne o Pai favorável e propício, mas ainda para que nos admita à participação de tão grande honra [Ap 1.6]. Ora, que em nós mesmos somos depravados, todavia sacerdotes nele, oferecemos a Deus a nós mesmos e a tudo que é nosso e entramos livremente no santuário celeste, para que sejam agradáveis e de bom odor à vista de Deus os sacrifícios de preces e de louvor que de nós procedem. E até este ponto se estende essa afirmação de Cristo: “Por causa deles a mim mesmo me santifico” [Jo 17.19], porquanto, banhados de sua santidade, até onde consigo nos consagrou ao Pai, nós que, de outro modo, cheiramos mal diante dele, lhe agradamos como se fôssemos puros e limpos, aliás, até mesmo santos.

Mais uma vez, temos nas Escrituras a exposição de que o ministério da Igreja neste mundo possui a sua eficácia e importância devido a sua relação com o ministério de Cristo. Isto faz da Igreja algo maior, mais importante do que uma instituição meramente humana. Como vimos a Igreja se originou do desígnio do próprio Deus. E por isso cumpre a sua missão no mundo em íntima relação com os propósitos e papéis estabelecidos por Deus para ela.

O Novo Testamento ensina claramente sobre “o sacerdócio de todos os crentes” e dentre os seus textos sobre o assunto, 1Pd 2.9 é o que foi utilizado com maior freqüência pelos reformadores Martinho Lutero e João Calvino como fundamento desta doutrina.
O texto em questão afirma que a Igreja de Cristo é “sacerdócio real” (basíleion hieráteuma). Desta forma, utilizando-se da mesma expressão proposta pelos tradutores da Septuaginta (Êx 19.6) em referência a nação de Israel: hymeis dè esesthé moi basíleion hieráteuma kaì ethnos háguion taûta ta rhêmata éreis toîs hyioîos Israel,“vós, porém, ser-me-eis real sacerdócio e nação santa. Estas palavras dirás aos filhos de Israel” (grifo meu). E além desta expressão, Pedro utiliza-se também das expressõesnação santa” (ethnos háguion) e “raça eleita” (génos eklektón) ambas aplicadas no Antigo Testamento a Israel (Dt 7.6, 7). Estabelecendo, assim, uma clara relação entre a Igreja e Israel.
Richardson (1966, p.293) escrevendo sobre o “sacerdócio dos crentesem seu aspecto sacrificial, declara:

A Igreja cristã é o sacerdócio sacrificial instituído pelo próprio Deus a fim de que a humanidade tivesse acesso ao seu trono e pudesse oferecer-lhe dádivas aceitáveis. Além de 1Pd 2.9 a única vez em que aparece hieráteuma (sacerdócio com o sentido de corpo de sacerdote) no Novo Testamento é em 1Pd 2.5: “Também vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo (hieráteuma háguion), a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo” (anerénkai pneumatikàs thysias euprosdéktous Theô dià Iesou Christôu). A comunidade cristã constitui, incorporadamente, um sacerdócio sacrificial que oferece sacrifícios espirituais, por certo, não oferendas materiais como os cordeiros, touros e bodes da antiga dispensação (cf Rm 12.1).

E ainda (1966, p.295):

Em Rm 12.1, São Paulo exorta os cristãos a se oferecerem em sacrifício vivo, em ação sacerdotal racional (parastésai tà sómata hymón thysían dzósan... tèn loguikèn hymôn). O verbo paristánô ou parístemi é termo técnico para apresentação de um sacrifício (cf. Lc 2.22; 1Co 8.8; 2Co 4.14; Cl 1.28; Ef 5.27). Essa idéia reaparece em Paulo: por exemplo, em Rm 6.13-16, onde os cristãos são instados a apresentar-se, ou seusmembros”, a Deus e não ao pecado.

O texto citado acima por Alan Richardson, 1Pd 2.5, afirma que a Igreja é umsacerdócio santo” (hieráteuma háguion) para ofercer “sacrifícios espirituais agradáveis a Deus” (pneumatikàs thysías euprosdéktous [tô] Theô), porématravés de Jesus Cristo” (dià Iêsoû Christoû). É por meio de Cristo que as ações da Igreja tornam-se aceitáveis perante Deus, pois em Cristo estas são santificadas.

A Igreja está no mundo para servir a Deus e a seus membros. Portanto a doutrina do “sacerdócio universal dos crentes” é extremamente relevante em termos de entendimento do ministério da Igreja. Pois nos conduz a compreensão de que a Igreja enquanto laós de Deus constitui-se num sacerdócio no qual cada um dos seus membros está sendo convocado ao serviço. Serviço este que é responsabilidade de todos os cristãos e não apenas de uma classe especial. Não há no Novo Testamento a menor possibilidade de divisões no seio da Igreja de Cristo. E é baseados no ensino neotestamentário a respeito da unidade da Igreja, em termos de sacerdócio, que os reformadores combateram o conceito católico de cristãosespirituais” e “temporais”.

Como conclusão desse tópico, cito Lawrence O. Richards e Gib Martin (1984, p.9):

Apesar de declarações tão claras dos Reformadores, a maioria das pessoas continua fazendo distinção entreclero” e “laicato”. De fato, a falha dos cristãos em compreender a verdade de que, como povo de Deus, cada um é chamado para o ministério, é reconhecida hoje como uma das causas principais do fracasso da igreja moderna em alcançar o mundo com o evangelho, ou em servir eficazmente como aditivo salgado de Deus, preservando a sociedade da injustiça e imoralidade. John R. W. Stott assevera: “Não hesito em dizer que interpretar a igreja em termos de uma casta clerical, ou estrutura hierárquica privilegiadas é destruir a doutrina neotestamentária da igreja[1].

[1] Citação extraída da obra de John Stott, One People: Laymen and Clergy in God’s Church (Downers Grove: Inter-versity).