sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

SEXO ANTES DO CASAMENTO


Por Rubem Martins Amorese

“Porque a idéia de fazer ídolos foi o princípio da fornicação, e a sua invenção foi a corrupção da vida” Sabedoria, 14:12

1. Introdução

A questão do sexo antes do casamento, tradicionalmente entendida como o pecado da fornicação, assume, em nossos dias, uma importância muito grande, devida ao relaxamento dos costumes e às proteções contraceptivas facilmente encontradas no mercado. O fantasma da gravidez indesejada, que foi, durante um bom tempo, o grande obstáculo, ainda ronda as mulheres, mas agora é alvo da propaganda como algo que pode ser evitado com certa segurança (1) .

Gostaríamos de participar, com os pastores, pais e educadores cristãos, na reflexão acerca do assunto.

Não temos a intenção de apresentar idéias novas, mas sim, talvez, alguma contribuição sobre a forma de tornar o tema mais acessível e relevante para nossos jovens de hoje.

Estamos cientes de que esta é uma questão muito difícil, porque não envolve apenas a Palavra de Deus, em seu aspecto autoritativo e absoluto, mas também cultura e costumes, cujo trato está em permanente evolução. Assim sendo, assumimos a postura de quem provoca o debate, abre a discussão, vasculha caminhos novos (para nós, pelo menos). Trazemos para dentro deste texto, nosso passado, nossa educação, nossa teologia e, quem sabe, nossos problemas e complexos. Mas alguém precisa começar, porque pior é a omissão. Se conseguirmos provocar o debate, damo-nos por satisfeitos.

2. A necessidade de repensar


A argumentação que se segue reflete o tipo tradicional de abordagem desta delicada questão.

"O sexo pré-nupcial é um estupro recíproco". Muitas vezes,"é um estupro conseguido não pela violência física, mas pela violência persuasiva de quem muitas vezes explora a carência afetiva e/ou ingenuidade de outra pessoa" (2) .

Acreditamos que o citado artigo, ainda que vazado em uma linguagem moderna, não terá conseguido alcançar muitos ouvidos jovens, pela forma autoritária e fechada como apresenta seus argumentos.

Eis, por exemplo, um argumento que, conquanto possa ser verdadeiro em seu teor — não queremos julgar-lhe o mérito —, certamente criará barreiras junto aos seus destinatários:

"O desespero, o vazio, a sensação de desvalorização, o medo de olhar nos olhos de amigos e parentes… são tão reais hoje quanto em 950 a.C." (3)

A não ser que estejamos enganados, esse tipo de argumentação tem pouco efeito sobre a mente de um estudante secundarista ou universitário, pressionado por todos os lados a satisfazer uma necessidade (4) que se tornou quase obsessiva (graças aos meios de comunicação de massa) e tão natural entre seus colegas (do colégio... e da igreja!) quanto ir fazer compras num supermercado. Nosso estudante pergunta àqueles que "têm uma vida sexual normal" (5) (com muito cuidado, para que não descubram que é virgem) sobre como se sentem; se não se sentem culpados, diminuídos, desvalorizados etc., como sugerem seus pais, e recebem uma grande gargalhada como resposta. É bem verdade, admitamos, que muitos se valem da galhofa para encobrir sua confusão. Mas também é verdade que o nosso jovem crente, diante das "evidências", chega à conclusão de que o paranóico é ele, e não o colega, porque o amigo de escola, bem ou mal, resolve seu problema aparentemente sem grilos, e ele, que é crente, tem que "deixar de exercer uma função biológica que está urrando por ser atendida" — toma um banho frio, filho —, para não se sentir "culpado e desvalorizado". A mocinha guarda seu "tesouro" — como lhe recomenda sua mãe — a custos emocionais altíssimos e sem saber muito bem porque.
 
Na nossa opinião, o problema é de conscientização. O jovem — e de resto, qualquer um de nós — precisa de armas intelectuais, morais e espirituais para resistir. O que ele mais necessita hoje é de bons motivos para lutar. Precisa achar que vale a pena. Portanto, a nossa tarefa se situa neste campo: demonstrar-lhe que vale a pena. Seremos capazes disso?

O argumento do Sentimento de Culpa

O sentimento de culpa resulta da consciência de transgressão. Quando se faz algo que se acha correto, não há esse sentimento. Não estamos dizendo que não haja culpa, que é o resultado legal da transgressão, mas sim o sentimento. Para tornar mais claro: sabe-se que entre os esquimós é prática de hospitalidade o anfitrião oferecer a esposa ao visitante por uma noite. Será certo esse costume? Bem, não se trata, aqui, de julgar o mérito da questão. Ao entrar nele, estaríamos tentando estabelecer se há culpa diante de Deus ou não. Mas o que queremos especular é se há sentimento de culpa naquele marido. Parece que não. Assim como não há sentimento de culpa no canibal, ou no beduíno polígamo.

O sentimento de culpa vem quando alguém diz: isto é errado, ou, isto é pecado. Ainda assim, é necessário que o novo padrão seja incorporado; alguns não se deixam levar, e exigem comprovação.

Precisamos de bons argumentos. Argumentos que demonstrem o que queremos ensinar — e aqui é que começam nossos problemas. Os jovens de hoje, diferentemente da geração de seus pais, são avessos a dogmas e axiomas. Assim, precisamos de melhores argumentos do aqueles de que é preciso esperar — "o melhor da festa é esperar por ela"; que o sexo pré-nupcial é egoísmo, pois não considera mais ninguém, como a família, por exemplo, que vai ficar envergonhada"; que vai deixar marcas no casamento; que "vai deixar seu pai sem ter como olhar para os amigos"; que leva embora aquilo que a moça tem de mais caro (o que mais ela terá a oferecer a um bom partido, se perder seu hímen?)"; que é pecado capital (argumento usado, em geral, sem a devida demonstração); que dá uma imagem de que ele ou ela é "fácil", e só servirá para programas, mas não para casar; que "quem me garante que, se ele fez isso com você, não fará com outras?" — e tantos outros.

Teologicamente falando, acreditamos que o argumento da culpa, em suas múltiplas formulações, não seja o mais salutar e nem mesmo o mais correto. Precisamos substituir o tema do inferno (não o estamos negando) pelo da devoção; o do medo, pelo da lealdade, o da desgraça pelo da graça. Antes de inculcar pavor no jovem, é preciso dar-lhe um ideal concreto pelo qual lutar. Antes de apresentar a Deus como um policial da sexualidade, deveríamos apresentá-lo como amante sensível e ciumento (tema de Oséias e de João 4). Sugerimos, também, o apelo contido em Romanos 12: 1 e 2: se o jovem decide se abster, que seja movido por gratidão; como uma resposta sua às misericórdias de Deus — se conseguirmos, nós, demonstrar-lhe que é isso que Deus espera dele.

3. Marcando Posições

Talvez esteja na hora de apresentar algumas sugestões de encaminhamento da questão; e aqui, saímos das considerações propriamente pastorais e entramos no que chamaríamos "contribuições" para com a construção de um argumento viável.

3.1. Marco Referencial

A base geral de argumentação a estabelecer é o projeto original de Deus para a extraordinária capacidade relacional de suas criaturas. Existe esse projeto? Um projeto aplicável tanto aos anjos quanto às crianças, tanto a Lúcifer quanto a Adão? Um padrão que reja o relacionamento das criaturas entre si e das criaturas com seu Criador; um padrão universal? Se existir, certamente será válido, também, para o caso de um moço com uma moça. A nossa intenção, com essa busca, é estabelecer um marco referencial ao qual possamos recorrer em nossas discussões. À medida em que desenvolvemos um consenso em torno de pontos gerais e básicos, facilitamos o processo seguinte de discussão e maturação dos pontos polêmicos e específicos.

3.2. Macho e Fêmea

Deus criou os seres humanos macho e fêmea, prevendo e prescrevendo sua união sexual (Gn. 2:18-25), o que a torna, em princípio, boa. O sexo entre um homem e uma mulher não é sujo, feio ou mau. E mais: foi feito para ser praticado (1Co. 7:5).

3.3. Sexo e Compromisso

Deus fez o homem para a mulher e esta para o homem, e tinha a intenção de que vivessem tão próximos que parecessem um só. A união sexual, no caso (serão uma só carne) aparece, no Novo Testamento, como selo de um compromisso de união estável e dedicação exclusiva (Ef.5:28-31). O conceito antropológico de que a proibição de relações sexuais sem restrições, nas sociedades primitivas, surgiu, não como uma prescrição divina de maior valor, mas da necessidade de preservação da unidade familiar, ou como um artifício masculino de manter a posse de suas mulheres, ainda que rebelde à revelação, não precisa ser totalmente descartado. Talvez Deus tivesse em mente, também, algumas dessas funções (como, por exemplo, a de manutenção da unidade familiar). O que se pretende sustentar, no entanto, é que a saúde social se apóia na estabilidade das diversas formas de relações. Quando essa estrutura de relações se relativiza e se esfacela, ocorre, invariavelmente, deterioração social.

3.4. "Instituição Divina I"

Deus estabeleceu padrões universais de relacionamento para os homens, padrões esses que refletem aqueles que ele mesmo se propõe a desenvolver com suas criaturas. Citamos dois: a lealdade, e a fidelidade (Tg. 4:4). Ele detesta a volubilidade em relação às suas alianças; manifesta-se, inclusive, ciumento (Tg. 4:5) quanto a isto; propõe-se como um Deus cujas alianças não mudam (fidelidade) e cujas promessas não estão ao sabor dos acontecimentos ou do seu estado de espírito (lealdade). Esses padrões prescrevem-se a qualquer relacionamento, seja do homem com Deus, seja entre os seres humanos. E num sentido muito específico, esse padrão, quando acontece nas relações de um homem com uma mulher, representa as relações do próprio Deus com suas criaturas (Ef. 5:22-33).

3.5. "Instituição Divina II"

Quando um homem e uma mulher se casam, dão origem a uma entidade que não lhes pertence individualmente e que em muito transcende sua esfera de controle e conhecimento: um lar. Nele deveriam desenvolver-se todas as condições de florescimento do Reino de Deus. Ali existem os ingredientes necessários ao desenvolvimento de um tipo de relacionamento que reproduza o mais fielmente possível aquele que Deus previu para suas criaturas. Ao ser capaz de viver essa vida, com a intervenção do Espírito Santo, mediante o senhorio de Cristo em suas vidas, os servos do Senhor derrotam Satanás, em seu desafio cósmico, tentando demonstrar que as criaturas do Altíssimo não podem relacionar-se com ele e com seus irmãos como Deus quer. No meio dessa disputa, surge o lar, como entidade divina, pelo qual o Senhor demonstrará a viabilidade de seu projeto.

3.6. Desconformidade com o Padrão

O rompimento dos padrões divinos é considerado por Deus como pecado, qualquer que seja sua forma. Não se deve enfatizar formas específicas de infidelidade, de deslealdade ou volubilidade, privilegiando um caso sobre outro. Uma traição nos negócios é tão traição quanto num casamento: é pecado de traição: rompimento, sem justificativa aceitável, de um compromisso livremente assumido. Uma "mudança de cabeça" (de devoção) pode aplicar-se tanto à igreja que se deixa seduzir pelo mundo (Tiago 4:4), quanto por um marido que começa a olhar demais para as "menininhas". Um compromisso assumido em falso (sem real intenção de cumprimento) é tão desleal entre dois jovens quanto na compra de um apartamento, ou numa profissão de fé sem conteúdo. Tudo isso é pecado. Veja que não nos referimos, especificamente, ao pecado sexual, mas ao rompimento do padrão divino. Temos o costume de disciplinar certos pecados e não outros.

3.7. Tratando do Pecado

O padrão de Deus é claro: "sede santos, porque eu sou santo" (I Pe. 1: 15,16); e esse padrão ninguém deve tentar rebaixar ou sofismar. Ele é o alvo, o guia; seu Filho, o exemplo. No entanto, para qualquer tipo de transgressão, Deus tem uma solução: o sacrifício de seu Filho.

"Filhinhos meus, estas cousas vos escrevo para que não pequeis. Se todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo; e ele é a propciação pelos nosso pecados, e não somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro." (1Jo. 2:1,2)

Quanto maior a ofensa, maior a graça. Pecado, trata-se com graça, arrependimento, perdão e restauração. Disciplina, é para os renitentes, presunçosos e cínicos, que dispensam desdenhosamente a oferta de perdão, preferindo permanecer em sua atitude.

4. Aplicações Práticas

4.1. Posição Pastoral

O pecado sexual não é menos digno de misericórdia que os outros pecados. Nem mais hediondo.

É bem verdade que, tradicionalmente, ele tem acarretado efeitos sociais relativamente graves, como o caso da gravidez indesejada, que, quando não resulta em assassinato (aborto) (6) , coloca no mundo uma criança que carregará por toda a vida o fardo de ser um fardo. Outros pecados como, por exemplo, formas brandas de mentira ("mentirinhas sociais"), não produzem efeitos tão dramáticos. Isso nos tem levado a considerar o pecado sexual como algo muito mais feio que os outros. Por outro lado, leva a sociedade a fazer vista grossa quando não desemboca em gravidez.

Ainda que os efeitos sociais dos pecados sejam diferentes, na sua essência eles são iguais diante de Deus: são transgressão. O tratamento pastoral aplicado a um caso de desvio de verbas, de mentira, ou de infidelidade conjugal deve ser o mesmo que para a fornicação. Aconselhamento e busca de restauração devem se seguir a qualquer dos casos. A não ser que se trate de uma posição da qual o crente não esteja disposto a abrir mão (Mt 22: 11-13).

4.2. O Casamento Já Era?

O casamento formal, com marcha nupcial, bolo e arroz não deve ser o ponto central da consumação de uma união. Essa consumação deve dar-se num momento em que o casal decide assumir um compromisso triangular: homem, mulher e Deus. O epicentro do acontecimento, na verdade, é o compromisso (a sua manifestação formal e ritual, no entanto, assume grande importância dentro do Reino de Deus, como veremos mais adiante). Nas nossas relações pessoais com Cristo, por exemplo, o íntimo, o que vai no coração é fundamental; mas o testemunho público tem um lugar importante nas Escrituras (Rm. 10: 9,10). Exemplos disso são o batismo e a Ceia do Senhor. Em si mesmos, a água e o pão têm valor relativo; mas, quando são utilizados para expressar dramaticamente um conteúdo de fé; quando dão-se dentro do âmbito de uma aliança, tornam-se manifestações comunitárias de validação e celebração dessa aliança.

Conclui-se, provisoriamente, que não é a cerimônia em si que faz o casamento, mas o compromisso de fidelidade e amor perenes. A rigor, um casamento pode se realizar antes, depois ou sem a correspondente cerimônia — mas atenção: também o adultério. Sim, quando dois jovens resolvem unir-se, assumindo, livremente, compromisso diante de Deus, ainda que dispensando as formalidades, não há porque dizer que não houve casamento. Por outro lado, se resolvem, depois disso, mudar de parceiro, o que fazem é, tipicamente, adultério. No caso da mudança ser iniciativa unilateral, pode-se, tranqüilamente, qualificar o gesto de traição, deslealdade, perjúrio, pecado e outros nomes.

— Então, prá que casar? — perguntaria alguém. Veremos isso adiante, quando falarmos do "sentido batismal do rito". Mas, por enquanto, fique um alerta sobre as motivações: aquele ou aquela jovem que, sem um bom motivo, deixa a porta aberta atrás de si, pode estar preparando o caminho para uma rápida retirada, "caso algo dê errado". Essa "porta aberta" pode ser o sinal de que não houve o compromisso triangular a que nos referimos, mas uma ligação descartável. É, na maioria das vezes, a porta do fracasso.

4.3. Vamos ao Ponto

Um casamento, formal ou não, firmado fora do compromisso triangular, está fora da vontade de Deus, sendo, portanto, pecado, no sentido de desconformidade com sua vontade, trazendo suas conseqüências. Qualquer tentativa de união que não preveja um comprometimento de vidas, vontades, horizontes e ideais, ainda que dure algum tempo, contra toda probabilidade (7) , está, de alguma forma, fora do ideal do Criador. As posturas "vamos ver se dá certo", e "a gente casa; se não der certo, separa", são frontalmente contrárias ao padrão de Deus, e não podem ter sua bênção. Uma união de dois jovens, visando a satisfação sexual, sem o verdadeiro e maduro compromisso das duas partes, não é excessão.

4.4. O Que Tem a Ver Sexo com Casamento?

A relação sexual aparece, nas Escrituras, tanto literal quanto figuradamente, como selo do compromisso. Que compromisso? Compromisso de fidelidade, lealdade e exclusividade de devoção. Quando ela vem isolada daqueles outros elementos que tornam as duas vidas "conjugadas" e, portanto, o relacionamento "conjugal", afastam-se do protótipo de relacionamento prescrito pelo Criador. Parece que Deus quis que a profunda intimidade proporcionada pela relação sexual tivesse a função de atuar como um fator de concórdia, entendimento, conciliação. Que o derramar emocional carregasse consigo o rompimento das barreiras que normalmente surgem; que as manifestações de afeto se prolongassem no tempo; que as palavras de amor tivessem eco nos momentos de estiagem. Enfim, o sexo, muito mais que um elemento de prazer, seria um poderoso aliado do compromisso.

Alguém poderia argumentar: nós combinamos que não seríamos exclusivos um para o outro; estaríamos juntos quando quiséssemos, sem grilos. Portanto, está tudo aberto, não há infidelidade. Bem, é preciso dizer, de passagem, que este é um pensamento muito comum, hoje em dia. Moderno e atraente; sem grilos. Mas ocorre que é um tipo de contrato bilateral, apenas. Não usa o "formulário" divino, que inclui um terceiro contratante: o Senhor; nem considera a dimensão social da Aliança entre Deus e os homem, sobre a qual falaremos a seguir; nem o invoca, em espírito e em verdade. E se o invoca, para sancionar algo diferente (senão contrário) de sua proposta, fá-lo por ignorância ou arrogância, pois Deus não age no sentido de se desautorizar.

Ao dizerem que seu contrato é provisório, livre, descompromissado, aberto ao trânsito de terceiros, etc, estão dizendo que não estão se valendo do modelo de compromisso extraído das relações do Senhor com suas criaturas; de Cristo com a Igreja (Ef. 5: 22 ss). Estão criando um modelo próprio. Devem, então, estar prontos a assumir as conseqüências dessa prerrogativa, e tirar Deus do meio disso. E não devem culpá-lo pelo que daí advier (no mínimo, um padrão inferior de vida, para não falar em juízo).

4.5. O sentido do Rito

O casamento formal tem o seu lugar no projeto divino: o da celebração cristã, onde se estabelece um pacto dentro do Pacto. Um pacto que representa o Pacto. Na verdade, o que torna um casamento cristão, não é apenas o compromisso tripartite, ou a cerimônia religiosa, mas também o caráter social e comunitário do pacto, que "discerne o corpo" de Cristo (1 Co. 11:29)

Bem, aqui se introduz uma última dimensão do padrão divino para o relacionamento entre suas criaturas: ele deve se dar no contexto social e comunitário da Aliança. Uma das grandes categorias de compreensão da obra de Deus entre os homens é a categoria de povo. Deus se relaciona com esse povo através de pactos, concertos e alianças. Em toda a Escritura, o elemento "íntimo", conquanto tivesse seu lugar, jamais assumiu a dimensão privativista que se agiganta nos tempos modernos. São inúmeros os textos que falam de povo, de corpo, de comunidade, que recomendam a horizontalização da fé, o testemunho público, o compartilhar. Ousaríamos dizer, mesmo, que todos os gestos de Jesus foram gestos públicos, na dimensão de que, de alguma forma, podiam ser referenciados a um pacto entre Deus e seu povo ou viabilizavam a plenitude da aliança entre Deus e os homens. Até que no clímax desse processo, seu sangue vicário se transformou no símbolo da Nova Aliança entre Deus e os homens.

Um casamento só é cristão se realizado na dimensão cristã; na perspectiva da Aliança. Essa dimensão, por sua vez, tem que passar pelo elemento batismal, que dá origem a um povo, uma igreja, ao Corpo de Cristo. Assim sendo, um casamento que se realiza numa dimensão exclusivamente privada — que, por algum motivo despreza a comunidade — é algo aquém da integralidade do projeto de Deus para seus filhos.

Falando mais praticamente, é dentro desse ambiente de obrigações mútuas, gerado pela Aliança — onde o individual e o privado só têm sentido se referenciados por um povo, que tem história e que tem razões para existir — que a igreja empenha sua concordância, bênção e apoio, na busca de viabilizar o sucesso daquela união, daquela nova entidade. É como um nascimento. Aparecem até as figuras dos padrinhos e madrinhas, que assumem uma postura paternal, em relação ao recém-nascido lar. Quando as coisas são, de fato, assim (raro, hoje em dia), ocorre um profundo envolvimento dessa sociedade em todas as etapas daquele novo relacionamento; na aprovação do namoro (8) , no acompanhamento do noivado e no compromisso como parte do pacto assumido entre os dois. No Reino não há muito espaço para lares fechados, para a tão festejada privacidade (quando entendida como isolamento) moderna. Na verdade, o que se dá é um grande casamento social: todos estão, ali, de alguma forma, se comprometendo. Como povo, estão dizendo a Deus que pretendem sustentar aquele compromisso. Todos lutarão para construir o que precisa ser construído para serem felizes. Todos darão sua contribuição. Se falhar, todos terão falhado um pouquinho.

Quando essa sociedade se transforma em simples platéia de uma cerimônia, para comer bolo, sem maiores responsabilidades, não está dramatizando o conteúdo do rito, e muito menos celebrando o conceito de povo de Deus; onde indivíduos foram transformados em corpo, num só espírito e num só batismo.

5. Pontos a ponderar

Os cristãos crêem que existe uma realidade que transcende em muito o que os seus sentidos naturais captam; realidade essa que nos é parcialmente revelada nas Escrituras, e que é descrita como sendo mais real, isto é, mais duradoura, mais cheia de coisas, entidades, significados, poderes e domínio sobre o universo (2 Co. 4:18); os cristãos crêem que existe uma realidade fora do tempo, do espaço e da matéria; eles crêem que há "regiões" (Ef. 1:20, 2:6, Ap. 1:10) povoadas por anjos e demônios, às quais temos acesso pela identificação com a morte e ressurreição de Cristo, tudo sob o domínio de um Deus Altíssimo, e que essas entidades interferem na nossa vida terrena, o que acaba por transformar nossa realidade em palco desse jogo de forças, e nossas decisões e atitudes (da Igreja como também dos rebeldes) em elementos estratégicos da maior importância, na definição dos rumos do grande conflito; os cristãos crêem que um dia passarão plenamente desta para aquela dimensão, e que o que fazem aqui tem influência sobre o que serão e terão lá; os cristãos crêem em tudo isso porque crêem nas Escrituras.

Se não cremos nas Escrituras, não há porque nos afinarmos, aqui, neste mundo, a critérios e padrões que se originam naquela dimensão transcendente e aqui se consumam. Por outro lado, se discernimos essas realidades, não precisamos de ordens explícitas sobre o que devemos ou não fazer nesta vida, no dia-a-dia, diante dos conflitos existenciais que nos acometem: alinhamo-nos inteligentemente no jogo de forças que se desenrolam, expressando com isso nossa lealdade a um dos lados.

Se estamos convencidos que nosso relacionamento pessoal, conjugal ou social faz parte de um quadro maior de relacionamentos e conflitos, e se entendemos que nossa opção de lealdade tem significado ponderável nesse arcabouço, então vale a pena continuar buscando os indícios da vontade do Senhor. Senão, quanto tempo já perdemos...

6. Uma palavra final

De tudo o que expusemos até aqui, parece que poucas coisas são axiomáticas, quer dizer, verdades absolutas, que não necessitam de demonstração.

Primeiro, porque entendemos que a Bíblia não se destina a relacionar regras de "faça ou não faça"; antes, ela estabelece princípios de ação, que o filho de Deus adaptará à sua realidade, sem tornar-se prisioneiro de mandamentos e ordenanças. Uma atitude pouco recomendável, em um determinado contexto, pode ser perfeitamente lícita em outro, e vice-versa. A liberdade que Cristo nos veio trazer é uma liberdade completa (Gal.5:1), baseada no discernimento obtido do Espírito Santo, e no conhecimento diligente do pensamento de Deus.

Segundo, porque as Escrituras pouco tratam do assunto. Se elas fossem descer aos detalhes de todas as situações existenciais possíveis a todos os seres humanos em todas as épocas seria muito mais que uma biblioteca: é inviável. Logo, precisamos encontrar os princípios gerais que nos forneçam um caminho seguro para nossa situação específica. Esse caminho, no entanto, precisa ser consistente com a Bíblia; não apenas com este ou aquele versículo, mas com o pensamento geral expresso sobre aquele tema e outros correlatos. E a busca desse caminho nem sempre é fácil; somos muito tendenciosos e socialmente condicionados em nossa interpretação.

E terceiro, porque precisamos, para ser honestos com a própria Palavra, equilibrar o julgamento que fazemos dos nossos atos com os seus referenciais de pesos e medidas. Temos a tendência de pintar de preto certos pecados que nos tocam mais de perto e de cinza outros que não nos incomodam no momento. Não, precisamos ser justos também nisso, para sermos misericordiosos para com todos.

Diante disso tudo, leitor, nossa esperança é que você se relacione com este texto de forma livre e independente. Ele não se presta para responder a questões do tipo "pode ou não pode". Antes, procura dar-se ao trabalho de levantar princípios. Assim, você não precisa concordar com tudo, para ser abençoado por ele. Ao contrário, você terá que trabalhar sobre ele, de forma a torná-lo relevante para sua vivência. Nossa oração, tão-somente, é que, ao buscar os princípios gerais que norteiam a matéria, tenhamos sido fiéis à luz que tivemos do Senhor.

Publicado na Revista Teológica da Sociedade dos Estudantes de Teologia Evangélica - SETE — Vol.VIII - nº 19 (1990), sob o título “Pastoral à Juventude: Sexo antes do Casamento”. Este texto reflete as reflexões do Conselho Pastoral da Igreja Presbiteriana do Planalto.

NOTAS
1 O Relatório 1983 do Departamento de Saúde de Minnesota diz que 48,8% das garotas entre 15 e 17 anos que tiveram abortos, sabiam sobre métodos anticoncepcionais e os usava (irregularmente). Outros 9,7% estavam usando anticoncepcionais quando engravidaram.
• O Relatório da U.S. House Select Commitee, sobre Crianças, Juventude e Família, de dez./85 diz que 10% das mulheres que têem relações sexuais protegidas por anticoncepcionais engravidam.
• "Se você dá a pílula a uma garota, antes que ela esteja fisicamente madura, ela arrisca, primeiro a ter interferência em seu crescimento normal; segundo... ela se torna mais propensa a desenvolver diabetes; terceiro, ela pode nunca desenvolver regras regulares. Ela pode entrar em depressão. Nunca se deveria dar pílula a ninguém com menos de 17. Nunca!" (Dra. Margareth White, eminente ginecologista inglesa)
2 Argumentos parciais extraídos do artigo "Sexo Antes do Casamento" de Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, em Lar Cristão, v. 2 nº 6, pp 12,13.
3 PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso, op cit.
4 O conceito de necessidade, aqui, envolve aspectos físicos, emocionais e, principalmente, lúdicos, com os quais trabalham os meios de comunicação, na maioria das vezes, a serviço da indústria do descartável, da liberdade inconseqüente e do consumismo.
5 A Human Life Internacional estima que aos 21 anos, hoje, 90% dos homens e 60% das mulheres solteiras já mantiveram relações sexuais.
6 Para pensar:
• Mais de 50% dos abortos no mundo se dá entre solteiras;
• Mais de 75% dos abortos do mundo se dá entre não casadas (solteiras, separadas ou divorciadas;
• No Brasil, cada ano, faz-se mais de 4 milhões de abortos, dos quais, mais de 240 resulta em morte da mãe. Fonte: Associação Pró-Vida, de Brasília
• Para cada aborto realizado no mundo há um homem corresponsável.
7A duração média de um casamento em um grande centro urbano, atualmente, é inferior a 10 anos.
8 Não se trata, aqui, de um tribunal, que vai dizer com quem determinado jovem pode e com quem não pode casar, mas de uma orientação amorosa, que ajuda, pelo interesse, pela experiência, pelo conhecimento das Escrituras e pelo não envolvimento emocional. Grande sabedoria há em ser sensível a essa sinalização comunitária (Pv. 1:8,9)

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