sexta-feira, 11 de novembro de 2011

QUEM É O ESPÍRITO SANTO?


Por R. C. Sproul
 
Aquele que não conhece Deus o Espírito,
não pode conhecer Deus de modo algum.
THOMAS ARNOLD

 OS POETAS nos dizem que, na primavera, as fantasias de um jovem voltam-se para o amor. Na primavera de 1958, minha fantasia esta­va trancada em um conflito mortal. Foi um conflito entre a minha humanidade mortal e a lei imortal de Deus, uma batalha que não pode ser vencida, plena ou finalmente, por nenhum ser humano.
Eu estava experimentando meu próprio "Meio- Dia" particular. Se posso relembrar as palavras do tema da canção do clássico do cinema que tinha Gary Cooper como astro, elas iam mais ou menos assim:
Oh, estar dividido entre o amor e o dever: supondo que eu perca minha amada de lindos cabelos.
Olhe para aquela grande mão movendo-se... aproximando-se do meio-dia...
Minha amada não possuía tão belos cabelos, mas todo o resto cabia dentro de minhas circunstâncias. Eu estava dividido entre o amor e o dever, e o relógio já estava quase marcando o meio-dia.
Em 1952 me apaixonei. Na primavera de 1957 dei à minha namorada um anel de diamante. Ficamos noivos e marcamos a data do casamento. A cerimônia foi marcada para junho de 1960.
Mas todos os nossos sonhos e planos de casamento foram abalados por uma inesperada onda de choque que nos atingiu no outono de 1957. Fui subitamente, violenta­mente (em um sentido espiritual) convertido a Cristo. Corri para dar à minha noiva a alegre notícia. Eu quase nem podia esperar para falar a ela da minha nova fé, na plena expectativa de que ela abraçaria o Senhor imediatamente, comigo.
Derramei diante dela a história de minha conver­são. Eu estava fervendo de entusiasmo espiritual. Eu ti­nha encontrado a pérola de grande preço e estava exaltan­do as maravilhas da opulência dessa pérola para ela.
Minha noiva não se mostrou nada impressionada. Era como tentar descrever um caleidoscópio para um ho­mem cego. Ela me ouviu polidamente, mas manteve uma remota indiferença sobre o assunto. Ela se refugiu na es­perança de que eu estivesse experimentando uma "fase", estivesse flertando com alguma espécie de loucura religi­osa temporária.
"O que você quer dizer com isso de ter-se tornado um cristão?" ela perguntou. "Você sempre foi um cris­tão. Você foi batizado, confirmado e tudo o mais."
Ela tinha sido confirmada na mesma igreja em que eu fora confirmado. Cantávamos juntos no coro da igre­ja. Íamos juntos à reunião dos jovens. Aprendemos a dan­çar juntos nos bailes sociais da igreja. E agora eu estava falando em ter "nascido de novo". Essa era uma expres­são que ela nunca antes tinha ouvido. Isso aconteceu antes de Jimmy Carter, antes de Chuck Colson, antes que a frase nascer de novo tivesse invadido o dicionário da cul­tura popular americana. Em 1958, a frase transmitia à minha noiva um sinal de fanatismo que representava uma clara e perigosa ameaça ao noss;o relacionamento.
Conforme os meses foram passando, o que eu es­perava que fomentasse o meu relacionamento com minha noiva, em lugar disso causou uma severa tensão. Logo descobri que não eram muitas as pessoas que compartilhavam de meu entusiasmo de ter nascido de novo. Minha mãe sentiu que eu estava rejeitando a ela e aos seus valo­res. Minha irmã ficou hostil comigo. Meus amigos esta­vam incrédulos. Meu pastor, dentre todas as pessoas, cha­mou-me de "maldito imbecil".
Eu estava começando a aprender as tensões cria­das pelas diferenças de crença e de entendimento do cris­tianismo. Eu também estava começando a aprender não somente os mandamentos de Moisés, mas também de Cris­to. Mas a pior regra de todas, a regra que me rasgava a alma, era aquela de estar preso por jugo desigual. Fui instruído que um crente não tem permissão de casar-se com um incrédulo.
No entanto, eu estava apaixonado por uma moça incrédula. Eu era noivo de uma jovem incrédula. Eu esta­va dividido entre o amor e o dever.
Tentei barganhar com Deus. Fiz um voto diante dele. Votei que se minha namorada não se tornasse crente até o final de uma visita que ela faria ao meu colégio, eu terminaria o noivado.
Nada disse a ela sobre o meu voto. Também não falei com ninguém a esse respeito. Era um pacto particu­lar entre eu e o Todo-poderoso.
Na manhã do dia em que ela tinha marcado que chegaria, tranquei-me no meu quarto e iniciei uma vigília de oração intercessória. Fiz os apelos da viúva importuna da parábola de Jesus, parecerem suaves. Se houvesse um anjo presente para me enfrentar eu teria deixado no col­chão um paraplégico. Eu desconhecia inteiramente a ques­tão da eleição e dos decretos eternos. Se Deus não tinha o nome de minha noiva no Livro da Vida, eu queria inscrevê-lo ali naquele mesmo dia. O violento estava conquistando à força o reino de Deus. Ou, pelo menos, era o que eu estava tentando fazer.
Naquela noite ela foi comigo a uma reunião de oração. Ela estava relutante. Estava desconfiada. Ela es­tava frustrada com a minha insistência para que ela fosse comigo àquela "reunião religiosa".
No meio da reunião de oração, ela, tal como João Wesley, em Aldersgate, sentiu o coração "estranhamente aquecido". E tal como Agostinho no jardim e Martinho Lutero na torre, ela viu as portas do paraíso se escancara­rem, e entrou por elas.
Terminada a reunião, com uma agitação que ul­trapassava à minha, ela proferiu estas palavras exatas: "Agora eu sei quem é o Espírito Santo".
Esse comentário não reflete a análise de um te­ólogo treinado. Foi a observação de uma nova conver­tida à fé cristã. Penso, entretanto, que essas palavras merecem alguma exposição. Foi a reação espontânea a uma experiência de transformação de vida, e encerra o discernimento de uma reação virgem, de primeira olhadela, diante da fé.
Por mais simples que soe, essa declaração contém vários profundos discernimentos. Portanto, vamos examiná-la de perto.
A palavra Agora é muito significativa. Agora re­fere-se ao tempo presente. As implicações claras são que o agora faz um violento contraste com o que acontecia antes. O agora chama a atenção para algo novo que não estava presente até ali.
Quando minha noiva fez essa afirmativa, ela ex­plicou que no passado ela já tinha ouvido falar no Espírito Santo. O Espírito Santo era mencionado na igreja. A fórmula trinitariana: "Em nome do Pai, do Filho e do Espí­rito Santo" era ouvida com freqüência nas cerimônias de casamento, nas palavras dos sacramentos do batismo e da ceia do Senhor, nas bênçãos e nas palavras de encerra­mento da oração pastoral.
Não obstante, em sua experiência na igreja, as palavras Espírito Santo, referiam-se simplesmente a uma porção vaga e abstrata da liturgia. O nome ou título da Terceira Pessoa da Trindade não tinha qualquer significa­ção concreta para ela.
A palavra sei assinala o despertar de um reconhe­cimento. De súbito, um reconhecimento abriu caminho, que estivera fechado pela abstração: "Agora eu sei".
Quando Vesta (minha noiva) adicionou as pala­vras eu sei, ela estava confessando um novo tipo de co­nhecimento. Não tinha sido a primeira vez em que ela ouvira falar sobre o Espírito Santo. Ela estava familiari­zada com essa linguagem. Ela já havia estudado o catecis­mo. Ela possuía alguma consciência cognitiva do Espírito Santo.
Agora eu sei indica um novo tipo de conhecimen­to, um conhecimento que passa do meramente cognitivo para o tipo pessoal e experimental.
Essa declaração de Vesta faz-me lembrar do ensi­no apostólico acerca da consciência espiritual. Declarou Paulo aos crentes de Corinto:
Mas, como está escrito: Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as coisas perseruta, até mesmo as profundezas de Deus. Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito que nele está? Assim também as coisas de Deus ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus. Ora, nós não temos recebido o espírito do mun­do, e, sim, o Espírito que vem de Deus, para que conhe­çamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente. Disto também falamos, não em palavras ensinadas pela sabe­doria humana, mas ensinadas pelo Espírito, conferindo coisas espirituais com espirituais. Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente (1 Co 2.9-14).
Essa passagem é tão importante para o nosso en­tendimento sobre o Espírito Santo que retornaremos a ela mais adiante, para uma exposição mais completa. Entre­tanto, notamos que Paulo falava aqui de uma espécie de discernimento espiritual que não é "natural" para nós. Em outras palavras, em nosso estado humano decaído nos falta a habilidade de acolher as realidades de Deus. De fato, Paulo declarou enfaticamente: "não pode entendê-las ".
É impossível que uma pessoa não-espiritual tenha o discernimento das realidades espirituais. Não somos, por natureza, pessoas espirituais. Uma pessoa não pode discernir coisas espirituais enquanto não for primeiramente vivificada, pelo Espírito de Deus, para as realidades espi­rituais. É a obra de regeneração do Espírito, ou renasci­mento espiritual, que nos capacita a ter discernimento espiritual.
Quando Vesta disse: Agora eu sei, ela estava cons­ciente — ou mesmo inconscientemente — dando testemu­nho de seu novo estado espiritual, de sua conversão.
"Agora eu sei quem é o Espírito Santo."
É significativo que Vesta não tenha dito: "Açora eu sei o que é o Espírito Santo ". Ela sabia quem ele era. Sua consciência inicial do Deus Espírito Santo foi a cons­ciência de uma presença pessoal.
A Bíblia revela o Espírito Santo não como uma força abstrata, um poder ou uma coisa, mas como "ele". O Espírito Santo é uma pessoa. Uma personalidade inclui inteligência, vontade e individualidade. Uma pessoa age por intenção. Nenhuma força abstrata pode tencionar fazer qualquer coisa. Boas ou más intenções são limitadas aos poderes dos seres pessoais.

A BÍBLIA USA PRONOMES PESSOAIS PARA INDICAR O ESPÍRITO SANTO
Quando falamos sobre pessoas usamos pronomes pessoais como eu, tu, ele e ela. Naturalmente, há ocasiões quando tais palavras são usadas para indicar objetos im­pessoais ou coisas. Usamos termos no masculino ou feminino para nos referir a coisas como embarcações, carros ou igrejas. Normalmente isso é feito de maneiras claramente reconhecíveis. A personificação também é um instrumento útil nas expressões poéticas.
Entretanto, quando as Escrituras usam pronomes pessoais para indicar o Espírito Santo, elas o fazem em passagens que não são poéticas, mas narrativas e didáti­cas. Lemos em Atos 13.2:
E, servindo eles ao Senhor, e jejuando, disse o Espírito Santo: Separai-me agora a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado.
Observamos aqui o uso das palavras me e eu (ocul­to, dentro da frase "a que (eu) os tenho chamado", atri­buídas ao Espírito Santo. Também notamos de passagem que, nesse texto, o Espírito Santo fala e dá instruções inteligíveis e intencionais. Observamos uma ocorrência similar em João 15.26:

Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de mim.

Aqui Jesus, se refere ao Espírito Santo usando as palavras que e esse. Alguns estudiosos poderão replicar que, neste texto, a palavra grega para Consolador não está no gênero masculino e que, de acordo com as regras da gramática, o pronome deve concordar com o substan­tivo quanto ao gênero. Entretanto, há uma cláusula inter­calada, ("o Espírito da verdade, que") que usa o gênero neutro para indicar o Espírito. Se o escritor sagrado qui­sesse dar a entender que o Espírito deveria ser pensado como uma força impessoal e neutra, não havia razão al­guma para usar o pronome masculino esse em conjunção tão próxima com um substantivo neutro.
Se essa questão não é muito clara no capítulo quinze do evangelho de João, ela fica clara como cristal, em João 16.13:

Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guia­rá a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará as coi­sas que hão de vir.

Não há neste texto bíblico qualquer razão grama­tical para se usar o pronome masculino, ele, a menos que Jesus tencionasse declarar, nesta passagem didática, que o Espírito Santo é uma pessoa.
 
SOMOS CHAMADOS A UM RELACIONAMENTO PESSOAL COM O ESPÍRITO SANTO
A Bíblia nos convida a crer no Espírito Santo. Somos batizados em seu nome, bem como no do Pai e do Filho. O Espírito Santo é um objeto de oração. Os crentes não devem dirigir-se a "coisas" em suas orações. Fazer isso seria idolatria. Devemos nos dirigir exclusivamente a Deus, que é um ser pessoal.
A bênção apostólica, nas páginas do Novo Testa­mento, inclui referência à comunhão e ao companheirismo com o Espírito Santo:
A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós (2 Co 13.14).
O Novo Testamento exorta-nos a não pecarmos contra o Espírito Santo, a não resistirmos ao Espírito Santo e a não entristecermos o Espírito Santo. Ele nos é apre­sentado como uma pessoa a quem podemos agradar ou ofender, que pode amar e ser amado e com quem pode­mos ter comunhão pessoal.

O ESPÍRITO SANTO REALIZA TAREFAS PESSOAIS
O Espírito Santo se relaciona conosco como uma pessoa. Ele faz coisas por nós e em nosso favor, coisas essas que, normalmente, associamos a atividades pessoais. Ele nos ensina. Ele nos consola. Ele nos guia. Ele nos encoraja.
Essas atividades podem ser realizadas, ocasional­mente, por objetos impessoais. Os marinheiros podem ser "guiados" pelas estrelas. Podemos ser consolados ao con­templar um belo pôr-do-sol. Mas o consolo derivado de tal contemplação baseia-se na suposição, consciente ou inconsciente, de que, por detrás do pôr-do-sol existe a pessoa do artista que o criou. Também podemos ser "en­sinados" quando observamos objetos naturais, mas tão somente por meio de analogias.
A maneira como o Espírito Santo consola, guia, ensina, etc, é uma maneira pessoal. Quando ele realiza essas tarefas, a Bíblia as descreve como atividades do Espírito, que envolvem inteligência, vontade, sentimen­tos e poder. O Espírito também perscruta, seleciona, re­vela e admoesta. As estrelas e o pôr-do-sol não agem des­sa maneira.
Em suma, concluímos que se o Espírito Santo pode ser amado, adorado, obedecido, ofendido, entristecido, ou se podemos pecar contra ele, é porque ele deve ser uma pessoa.
Mas permanece de pé a pergunta: O Espírito San­to é uma pessoa distinta? Ele possui uma personalidade que pode ser distinguida da personalidade de Deus Pai ou da personalidade de Deus Filho? Todas as qualidades pes­soais que a Bíblia atribui ao Espírito Santo realmente se referem à personalidade do Pai, sendo o Espírito apenas um aspecto dele?
Essas perguntas de imediato levantam o problema de como devemos pensar acerca de Deus. Nós cremos em um Deus ou em três Deuses? A difícil e misteriosa idéia da Trindade intromete-se em nossa maneira de pensar desde o instante em que começamos a pensar no Espírito Santo como uma pessoa distinta. Faz parte da fé clássica da Igreja que o Espírito Santo não somente é uma pessoa; ele é, igualmente, uma pessoa divina; ele é Deus.


Fonte: O MINISTÉRIO DO ESPÍRITO SANTO, R. C. Sproul – Editora Cultura Cristã


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