quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O CALVINISMO COMO SISTEMA DE VIDA

Por Abraham Kuyper

Introdução


Um viajante do velho continente europeu, desembarcando no litoral deste Novo Mundo, sente-se como o salmista que diz, “Seus pensamentos amontoam-se sobre ele como uma multidão.” Comparado com o turbilhão de águas de seu novo rio de vida, o velho rio, no qual ele estava em movimento, parece quase congelado e sem graça; e aqui, em terras americanas, pela primeira vez, compreende como tantas potências divinas, que estavam escondidas longe no seio da humanidade de nossa própria criação, mas que nosso velho mundo foi incapaz de desenvolver, estão agora começando a descobrir seu esplendor interior, prometendo assim um depósito de surpresas ainda mais rico para o futuro.

Contudo, vocês não me pediriam para esquecer a superioridade que, em muitos aspectos, o Velho Mundo pode ainda reivindicar, aos seus olhos tanto quanto aos meus. Mesmo agora a velha Europa continua portadora de um passado histórico muito longo, e portanto, coloca-se diante de nós como uma árvore enraizada muito profundamente, escondendo entre suas folhas alguns dos mais maduros frutos da vida. Vocês ainda estão em sua Primavera – nós estamos passando por nosso Outono; - e a colheita do Outono não tem um encantamento próprio?
Mas, embora, por outro lado, eu reconheça plenamente a vantagem que vocês possuem no fato que (para usar outra símile) o trem da vida viaja com vocês tão imensuravelmente mais rápido do que conosco, - deixando-nos milhas e milhas atrás, - contudo ambos sentimos que a vida na velha Europa não é algo separado da vida aqui; ela é uma e a mesma corrente da existência humana que flui através de ambos os continentes.

Em virtude de nossa origem comum, vocês podem chamar-nos ossos de seus ossos – nós sentimos que vocês são carne de nossa carne, e ainda que vocês estejam nos superando de modo mais desalentador, vocês nunca esquecerão que o berço histórico de sua maravilhosa juventude continua em nossa velha Europa, e foi embalado gentilmente em minha outrora poderosa terra natal.
Além disso, ao lado desta ascendência comum, há outro fator que, mesmo diante de uma diferença mais ampla, continuaria a unir seus interesses aos nossos. Muito mais precioso para nós que o desenvolvimento da vida humana, é a coroa que a enobrece, e esta nobre coroa da vida para vocês e para mim repousa no nome cristão. Esta coroa é nossa herança comum. Não foi da Grécia ou de Roma que saiu a regeneração da vida humana; - esta metamorfose poderosa remonta-se a Belém e ao Gólgota; e se a Reforma, em um sentido ainda mais especial, reivindica o amor de nossos corações é porque ela tem dispersado as nuvens do sacerdotalismo, e tem novamente revelado a mais plena visão das glórias da cruz. Mas, em oposição mortal a este elemento cristão, contra o próprio nome cristão e contra sua influência salutar[1] em cada esfera da vida, a tempestade do Modernismo tem agora surgido com intensidade violenta.

Em 1789 o ponto crucial foi alcançado. O grito furioso de Voltaire, “Abaixo com o salafrário”, foi apontado para o próprio Cristo, mas este grito era simplesmente a expressão do pensamento mais oculto do qual nasceu a Revolução Francesa. O protesto fanático de um outro filósofo, “Não precisamos mais de Deus”, e o lema odioso, “Nenhum Deus, nenhum senhor”, da Convenção; - foram os lemas sacrílegos que naquele tempo anunciaram a libertação do homem como emancipação de toda autoridade divina. E, se em sua sabedoria impenetrável, Deus empregou a Revolução Francesa como um meio para destruir a tirania dos Bourbons, e trazer um julgamento sobre os príncipes que abusavam de suas nações como seus escabelos, entretanto o princípio do qual a Revolução surgiu continua completamente anticristã, e desde então tem se espalhado como câncer, dissolvendo e corroendo tudo quanto está firme e consistente diante de nossa fé cristã.

Não há dúvida, então, de que o Cristianismo está exposto a grandes e sérios perigos. Dois sistemas de vida[2] estão em combate mortal. O Modernismo está comprometido em construir um mundo próprio a partir de elementos do homem natural, e a construir o próprio homem a partir de elementos da natureza; enquanto que, por outro lado, todos aqueles que reverentemente humilham-se diante de Cristo e o adoram como o Filho do Deus vivo, e o próprio Deus, estão resolvidos a salvar a “herança cristã”. Esta é a luta na Europa, esta é a luta na América, e esta também é a luta por princípios em que meu próprio país está engajado, e na qual eu mesmo tenho gasto todas as minhas energias por quase quarenta anos.
Nesta luta apologética não temos avançado um único passo. Os apologistas invariavelmente começam abandonando a defesa assaltada, a fim de entrincheirarem-se covardemente em um revelim atrás deles.[3]

Desde o início, portanto, tenho sempre dito a mim mesmo, - “Se o combate deve ser travado com honra e com esperança de vitória, então, princípio deve ser ordenado contra princípio; a seguir, deve ser sentido que no Modernismo, a imensa energia de um sistema de vida todo abrangente nos ataca; depois também, deve ser entendido que temos de assumir nossa posição em um sistema de vida de poder, igualmente compreensivo e extenso. E este poderoso sistema de vida não deve ser inventado nem formulado por nós mesmos, mas deve ser tomado e aplicado como se apresenta na História. Quando assim fiz, encontrei e confessei, e ainda sustento que esta manifestação do princípio cristão nos é dado no Calvinismo. No Calvinismo meu coração tem encontrado descanso. Do Calvinismo, tenho tirado firme e resolutamente a inspiração para assumir minha posição no auge deste grande conflito de princípios. E, portanto, quando fui convidado, muito honradamente por sua Faculdade, para dar as Palestras Stone, aqui este ano, não poderia hesitar um momento quanto a minha escolha do assunto. O Calvinismo como a única, decisiva, lícita e consistente defesa das nações protestantes contra o usurpador e esmagador Modernismo, - isto por si só foi o limite para meu tema.
Permitam-me, portanto, em seis palestras, falar-lhes sobre o Calvinismo.
Sobre o Calvinismo como um Sistema de Vida;
Sobre o Calvinismo e a Religião;
Sobre o Calvinismo e a Política;
Sobre o Calvinismo e a Ciência;
Sobre o Calvinismo e a Arte; e
Sobre o Calvinismo e o Futuro.

1. Calvinismo como um Sistema de Vida

Definição de Conceitos
A clareza de apresentação requer que nesta primeira palestra, eu estabeleça a concepção do Calvinismo historicamente. Para evitar equívocos, devemos primeiro saber o que não deveríamos, e o que deveríamos entender por Calvinismo. Partindo, portanto, do uso corrente do termo, vejo que este de modo algum é o mesmo em diferentes países e em diferentes esferas de vida.

Calvinismo – Um Nome Sectário
O nome calvinista é usado em nossos dias primeiro como um nome sectário. Este não é o caso nos países Protestantes, mas nos Católicos romanos, especialmente na Hungria e na França. Na Hungria, as Igrejas Reformadas têm cerca de dois milhões e meio de membros, e tanto na imprensa romanista como na Judaica daquele país, os membros da Igreja Reformada são constantemente estigmatizados pelo nome não oficial de “calvinistas”, um nome pejorativo aplicado até mesmo àqueles que se despojaram de todos os traços de simpatia com a fé de seus pais.
O mesmo fenômeno se manifesta na França, especialmente na região Sul, onde “calvinista” [calviniste] é igualmente, e até mais enfaticamente, um estigma sectário, que não se refere à fé ou confissão da pessoa estigmatizada, mas simplesmente é colocado sobre todos os membros das Igrejas Reformadas, mesmo que ele tenha idéias ateístas. George Thiébaud, conhecido por sua propaganda anti-semita, tem ao mesmo tempo, revivido na França um espírito anticalvinista, e até mesmo no caso Dreyfus,[4] “Judeus e calvinistas” foram acusados por ele como as duas forças antinacionais, prejudiciais ao “espírito gaulês”.

Calvinismo – Uma Identificação Confessional
Diretamente oposto a este, está o segundo uso da palavra Calvinismo, e eu o chamo de o confessional. Neste sentido, um calvinista é representado exclusivamente como o subscritor sincero do dogma da predestinação. Aqueles que desaprovam esta forte ligação com a doutrina da predestinação cooperam com os polemistas romanistas, visto que chamando você de “calvinista”, eles o descrevem como uma vítima da mesquinhez dogmática; e o que é ainda pior, como sendo perigoso para a verdadeira seriedade da vida moral. Este é um estigma tão visivelmente ofensivo que teólogos como Hodge,[5] os quais com plena convicção foram defensores públicos da Predestinação, e consideravam uma honra ser calvinistas, apesar disso, estavam tão profundamente impressionados com o desfavor vinculado ao “nome calvinista”, que por amor à sua confiante convicção, preferiam falar de Agostinianismo que de Calvinismo.

Calvinismo – Uma identificação Denominacional
O título denominacional de alguns Batistas e Metodistas indica um terceiro uso do nome calvinista. Ninguém menos que Spurgeon pertenceu à uma classe de Batistas que, na Inglaterra, chamavam-se de “Batistas calvinistas”, e os Metodistas Whitefield[6], em Gales, até o dia de hoje, mantém o nome de “Metodistas calvinistas”. Assim, aqui também, ele indica de algum modo uma diferença confessional, mas é aplicado como o nome de uma denominação eclesiástica especial. Sem dúvida, esta prática teria sido severamente criticada pelo próprio Calvino. Durante seu tempo de vida nenhuma Igreja Reformada jamais sonhou em dar nome de algum homem à Igreja de Cristo. Os Luteranos têm feito isto, as Igrejas Reformadas nunca.

Calvinismo – Um Nome Científico
Mas além deste uso sectário, confessional e denominacional do nome “Calvinismo”, ele o serve; além disso, em quarto lugar como um nome científico, quer em um sentido histórico, filosófico ou político. Historicamente, o nome Calvinismo indica o canal pelo qual a Reforma se moveu, até onde ela não foi nem Luterana, nem Anabatista, nem Sociniana. No sentido filosófico, entendemos por Calvinismo aquele sistema de concepções que, sob a influência da mente mestre de Calvino, levantou-se para dominar nas diversas esferas da vida. E como um nome político, o Calvinismo indica aquele movimento político que tem garantido a liberdade das nações em governo constitucional; primeiro na Holanda, então na Inglaterra, e desde o final do último século nos Estados Unidos. No sentido científico, o nome Calvinismo é atualmente usado entre os eruditos alemães. E o fato é que esta não é apenas a opinião daqueles que são simpáticos ao Calvinismo, mas também dos eruditos que abandonaram todo padrão confessional da Cristandade, contudo, atribuem este profundo significado ao Calvinismo. Isto evidencia-se no testemunho mantido por três de nossos melhores homens de ciência, o primeiro dos quais, o dr. Robert Fruin, declara que: “O Calvinismo veio para a Holanda consistindo em um sistema lógico de divindade, em uma ordem eclesiástica democrática própria, impelida por um sentido rigorosamente moral, e entusiasmado tanto pela reforma moral como pela reforma religiosa da humanidade”.[7] Um outro historiador, que foi ainda mais sincero em sua simpatia racionalista, escreve: “O Calvinismo é a mais alta forma de desenvolvimento alcançada pelo princípio religioso e político no século 16”.[8] E uma terceira autoridade reconhece que o Calvinismo libertou a Suíça, a Holanda e a Inglaterra e, por meio dos Pais Peregrinos,[9] promoveu o impulso para a prosperidade dos Estados Unidos.[10] Semelhantemente, Bancroft, entre vocês, reconhece que o Calvinismo “tem uma teoria de ontologia, de ética, de felicidade social e de liberdade humana, derivada totalmente de Deus”.[11]

Como o Tema Será Abordado
Somente neste último sentido, o estritamente científico, desejo falar a vocês sobre o Calvinismo como tendência geral independente, que de um princípio matrix próprio, tem desenvolvido uma forma independente tanto para nossa vida como para nosso pensamento entre as nações da Europa Ocidental e da América do Norte e, no presente, até mesmo na África do Sul.

A Extensão do Campo do Calvinismo

O campo do Calvinismo é, de fato, muito mais extenso que a interpretação confessional limitada nos levaria a supor. A aversão a nomear a Igreja com nome de homem deu origem ao fato que, embora na França os Protestantes fossem chamados de “Huguenotes”, na Holanda de “Mendigos”[12] (Beggars), na Grã-Bretanha de “Puritanos” e de “Presbiterianos”, e na América do Norte de “Pais Peregrinos”, todos estes são produtos da Reforma que, em seu continente ou no nosso, sustentaram um tipo especial reformado, eram de origem calvinista.

Extensão Geográfica e Denominacional
Mas a extensão do campo calvinista não deveria ser limitado a estas revelações mais simples. Ninguém aplica uma regra exclusiva como esta ao Cristianismo. Dentro de seus limites nós incluímos não somente a Europa Ocidental, mas também a Rússia, os Estados dos Balcãs,[13] os Armênios, e até mesmo o império de Menelik na Abissínia.[14] Portanto, é justo que do mesmo modo deveríamos incluir no aprisco calvinista também aquelas Igrejas que tem mais ou menos divergido de sua forma mais pura. Em seus 39 Artigos, a Igreja da Inglaterra é estritamente calvinista, ainda que, em sua hierarquia e liturgia tenha abandonado os caminhos retos, e tenha encontrado as sérias conseqüências deste desvio em puseísmo[15] e ritualismo. A Confissão dos Independentes[16] era igualmente calvinista, apesar que em sua concepção sobre a Igreja a estrutura orgânica foi enfraquecida pelo individualismo. E, se sob a liderança de Wesley, muitos Metodistas tornaram-se opostos à interpretação teológica do Calvinismo, não obstante, é o espírito do Calvinismo em si que criou esta reação espiritual contra a petrificante vida da Igreja de seus dias. Em um certo sentido, portanto, pode ser dito que todo campo que foi coberto pela Reforma, até onde ele não era luterano nem sociniano, foi, a princípio, dominado pelo Calvinismo. Até mesmo os Batistas aplicaram-se em abrigar-se nas tendas dos calvinistas. É o caráter livre do Calvinismo que explica o aumento destes vários tons e diferenças, e das reações contra seus excessos.

Uniformidade e Diversidade
Por sua hierarquia, o Romanismo é e permanece uniforme. O Luteranismo deve sua semelhante unidade e uniformidade à ascendência do príncipe, cuja relação com a Igreja é aquela de “summus episcopus”[17] para sua “ecclesia docens[18]. O Calvinismo, por outro lado, que não sanciona nenhuma hierarquia eclesiástica nem interferência magistral, não poderia desenvolver-se exceto em muitas e variadas formas e derivações, certamente incorrendo assim no perigo de degeneração, provocando a sua volta todo tipo de reações unilaterais. Com o livre desenvolvimento da vida, tal como era pretendido pelo Calvinismo, não poderia deixar de aparecer distinção entre um centro, com sua plenitude e pureza de vitalidade e força, e a ampla circunferência com seus declínios ameaçadores. Mas nesse próprio conflito entre um centro mais puro e uma circunferência menos pura, o constante trabalho de seu espírito foi garantido pelo Calvinismo.

Raízes e Visões do Calvinismo
Assim entendido, o Calvinismo está enraizado em uma forma de religião que era peculiarmente própria, e desta consciência religiosa específica desenvolveu-se primeiro uma Teologia peculiar, depois uma ordem eclesiástica especial, e então uma certa forma de vida política e social, para a interpretação da ordem moral do mundo, para a relação entre a natureza e a graça, entre o Cristianismo e o mundo, entre a Igreja e o Estado, e finalmente para a Arte e a Ciência; e em meio a todas estas expressões de vida ele continuou sempre o mesmo Calvinismo, à medida que, simultânea e espontaneamente, todos estes desenvolvimentos nasceram de seu mais profundo princípio de vida.

Quatro Mundos de Pensamento
Por isso, nesta extensão, permanece alinhado com aqueles outros grandes complexos da vida humana, conhecidos como Paganismo, Islamismo e Romanismo, pelos quais nós distinguimos quatro mundos diferentes no único mundo coletivo da vida humana. E, falando claramente, vocês deveriam classificar o Cristianismo e não o Calvinismo com o Paganismo e o Islamismo, todavia é melhor colocar o Calvinismo alinhado com eles, porque o Calvinismo reivindica incorporar a idéia cristã mais pura e acurada do que poderia fazer o Romanismo e o Luteranismo.

A Peculiaridade do Calvinismo
No mundo grego da Rússia e nos Estados dos Balcãs o elemento nacional ainda é dominante, portanto, a fé cristã nestes países ainda não tem sido capaz de produzir uma forma de vida própria, da raiz de sua ortodoxia mística. Nos países Luteranos, a interferência do magistrado tem impedido a livre operação do princípio espiritual. Portanto, somente do Romanismo pode ser dito que tem incorporado seu pensamento de vida, num mundo de concepções e expressões inteiramente próprias dele. Mas ao lado do Romanismo, e em oposição a ele, surge o Calvinismo, não simplesmente para criar uma forma de Igreja diferente, mas uma forma inteiramente diferente para a vida humana, para suprir a sociedade humana com um método diferente de existência, e para povoar o mundo do coração humano com ideais e concepções diferentes.

A Abrangência e Desenvolvimento do Pensamento calvinista
Não deveria nos surpreender que isso não foi compreendido até nossos dias, e que agora é reconhecido pelos amigos e inimigos como conseqüência de um estudo melhor da História. Esse não teria sido o caso, se o Calvinismo tivesse introduzido a vida como um sistema bem construído, e tivesse se apresentado como resultado de um estudo. Mas sua origem aconteceu de um modo inteiramente diferente. Na ordem da existência, a vida vem primeiro. E para o Calvinismo a vida em si sempre foi o primeiro objeto de seu esforço. Também havia muito a fazer e sofrer para se dedicar muito tempo ao estudo. O que era dominante era a prática calvinista “na estaca” e no campo de batalha. Além disso, as nações entre as quais o Calvinismo prosperou – tais como a suíça, a holandesa, a inglesa e a escocesa – não eram por natureza muito predispostas filosoficamente. Especialmente naquele tempo, a vida entre essas nações era espontânea e destituída de estimativa; e apenas mais tarde o Calvinismo, em suas partes, torna-se um assunto de estudo especial pelo qual os historiadores e teólogos têm traçado a relação entre os fenômenos calvinistas e a unidade abrangente de seu princípio. Pode até mesmo ser dito que a necessidade de um estudo teórico e sistemático de um fenômeno de vida tão incisivo e compreensivo surge somente quando sua primeira vitalidade tem sido exaurida, e quando, por causa da própria manutenção no futuro, é compelido à maior precisão na descrição de suas linhas divisórias. E se a isto vocês adicionam o fato de que a pressão de refletir nossa existência como uma unidade no espelho de nossa consciência é muito mais forte em nossa época filosófica do que jamais foi antes, é prontamente visto que tanto as necessidades do presente como o cuidado pelo futuro, obriga-nos a um estudo mais profundo do Calvinismo.

A Unidade Forçada dos Sistemas de Pensamento
Na Igreja Católica Romana todos sabem pelo que viver, porque com consciência clara gozam os frutos da unidade do sistema de vida de Roma. Mesmo no Islamismo você encontra o mesmo poder de uma convicção de vida dominada por um princípio. Somente o Protestantismo vagueia por ai no deserto, sem objetivo ou direção, movendo-se daqui para lá, sem fazer qualquer progresso. Isso explica o fato de o Panteísmo nascido da nova Filosofia alemã e devendo sua forma concreta de evolução a Darwin, reivindicar entre as nações Protestantes mais e mais para si a supremacia em cada esfera da vida humana, mesmo no da Teologia, e sob todo tipo de nomes tenta derrubar nossas tradições cristãs, e até mesmo está inclinado a trocar a herança de nossos pais por um Budismo moderno inútil.

Os Pensamentos da Revolução Francesa
Os principais pensamentos que têm seu nascimento na Revolução Francesa, no final do século dezoito, e na Filosofia alemã no curso do século dezenove, formam juntos um sistema de vida que é diametralmente oposto àquele de nossos pais. Suas lutas foram por causa da glória de Deus e de um Cristianismo purificado; o movimento atual faz guerra por causa da glória do homem, sendo inspirado não pela mente humilde do Gólgota, mas pelo orgulho do culto a heróis.

Como Reagimos aos Ataques?
E por que nós, cristãos, estamos tão fracos, diante deste Modernismo? Por que constantemente perdemos terreno? Simplesmente porque estamos destituídos de uma igual unidade de concepção da vida, somente isto poderia habilitar-nos com irresistível energia para repelir o inimigo na fronteira. Esta unidade de concepção da vida, contudo, nunca será encontrada num conceito vago do Protestantismo, envolvido em todo tipo de caminhos tortuosos; todavia, vocês o encontram naquele poderoso processo histórico, o qual o Calvinismo cavou seu próprio canal para o poderoso curso de sua vida. Apenas por essa unidade de concepção como dada no Calvinismo, vocês na América e nós na Europa, poderíamos ser capazes, uma vez mais, de tomar nossa posição ao lado do Romanismo, em oposição ao Panteísmo moderno. Sem essa unidade de ponto de partida e sistema de vida devemos perder o poder para manter nossa posição independente, e nossa força para resistir deve declinar.

Examinando os Sistemas de Pensamento

O supremo interesse aqui em jogo, contudo, proíbe-nos de aceitar, sem prova mais positiva, o fato que o Calvinismo realmente nos provê uma unidade de sistema de vida como esta, e exigimos provas da afirmação de que ele não é um fenômeno parcial, nem foi um fenômeno simplesmente temporário, mas é um sistema de princípios abrangente, que, enraizado no passado, é capaz de fortalecer-nos no presente e de encher-nos com confiança para o futuro. Portanto, primeiro devemos perguntar quais são as condições requeridas para sistemas gerais de vida, tais como o Paganismo, o Islamismo, o Romanismo e o Modernismo, e então mostrar que o Calvinismo realmente preenche essas condições.
Essas condições exigem, em primeiro lugar, que a partir de um princípio especial seja obtido um discernimento peculiar nas três relações fundamentais de toda vida humana: a saber, (1) nossa relação com Deus,  (2) nossa relação com o homem, e (3) nossa relação com o mundo.

A Primeira Condição – Nossa Relação com Deus

Portanto, a primeira reivindicação exige que um sistema de vida como esse encontre seu ponto de partida em uma interpretação especial de nossa relação com Deus. Isto não é secundário, mas imperativo. Se uma ação como essa está para colocar sua marca sobre toda nossa vida, ela deve partir daquele ponto em nossa consciência no qual nossa vida ainda não está dividida e encontra-se compreendida em sua unidade, - não nas vinhas que se espalham, mas na raiz da qual as vinhas nascem. Certamente, esse ponto encontra-se na antítese entre tudo que é finito em nossa vida humana e o infinito que encontra-se além dela. Somente aqui encontramos a fonte comum da qual os diferentes cursos de nossa vida humana nascem e separam-se. Pessoalmente, é nossa repetida experiência que nas profundezas de nossos corações, no ponto onde nos mostramos a nós mesmos ao Único Eterno, todos os raios de nossa vida convergem como em um foco, e somente ali recobramos esta harmonia que nós tão freqüente e penosamente perdemos no stress do dever diário. Na oração encontramos não somente nossa unidade com Deus, mas também a unidade de nossa vida pessoal. Os movimentos na História, portanto, que não nascem dessa fonte mais profunda são sempre parciais e temporários, e apenas aqueles atos históricos que originaram-se dessas profundezas mais baixas da existência pessoal do homem abraçam toda a vida e possuem a permanência requerida.

O Paganismo – Vê Deus na Criatura
Esse foi o caso com o Paganismo, que em sua forma mais geral é conhecido pelo fato que supõe, assume e adora a Deus na criatura. Isto aplica-se ao mais baixo Animismo, bem como ao mais alto Budismo. O Paganismo não eleva para a concepção da existência independente de Deus, além e acima da criatura. Mas, mesmo nessa forma imperfeita, ele tem como seu ponto de partida uma interpretação precisa da relação do infinito com o finito, e a isso ele deve seu poder de produzir uma forma acabada para a sociedade humana. Simplesmente porque ele possuía esse ponto de partida significativo, foi capaz de produzir uma forma para toda a vida humana própria dele.

O Islamismo – Separa Deus da Criatura
É o mesmo com o Islamismo, que é caracterizado por seu ideal puramente antipagão, interrompendo todo contato entre a criatura e Deus. Maomé e o Alcorão são os nomes históricos, mas em sua natureza o Crescente (quarto-crescente) é a única antítese absoluta ao Paganismo. O Islamismo isola Deus da criatura, a fim de evitar toda mistura com a criatura. Como antípoda,[19] o Islamismo era possuído de uma tendência igualmente extensa, e foi também capaz de gerar um mundo inteiramente peculiar de vida humana.

O Catolicismo – Coloca a Igreja Entre Deus e a Criatura
O mesmo ocorre com o Romanismo. Aqui também a tiara papal[20], a hierarquia, a missa, etc., são apenas o resultado de um pensamento fundamental: a saber, que Deus entra em comunhão com a criatura por intermédio de um meio de ligação místico, que é a Igreja; - não tomada como organismo místico, mas como instituição visível, palpável e tangível. Aqui a Igreja se posiciona entre Deus e o mundo, e até onde foi capaz de adotar o mundo e inspirá-lo, o Romanismo criou sua própria forma para a sociedade humana. 

O Calvinismo – Deus de Comunica com a Criatura
Paralelamente e em contraposição a estes três, o Calvinismo toma sua posição com um pensamento fundamental que é igualmente profundo. Ele não procura Deus na criação, como o Paganismo; não isola Deus da criatura, como o Islamismo; não postula comunhão intermediária entre Deus e a criatura, como faz o Romanismo; mas proclama o pensamento glorioso que, embora permanecendo em alta majestade acima da criatura, Deus entra em comunhão imediata com a criatura, como Deus o Espírito Santo. Este é o próprio coração e âmago da confissão calvinista da predestinação. Há comunhão com Deus, mas somente em total acordo com seu conselho de paz desde toda eternidade. Assim, não há graça senão esta que vem a nós imediatamente de Deus. Em cada momento de nossa existência, toda nossa vida espiritual repousa no próprio Deus. O “Soli Deo Gloria”[21] não era o ponto de partida - mas o resultado, e a predestinação foi inexoravelmente mantida, não por causa da separação do homem do homem, nem no interesse do orgulho pessoal, mas a fim de garantir de eternidade a eternidade, para o nosso eu interior, uma comunhão direta e imediata com o Deus Vivo. Portanto, a oposição contra Roma pretendia com o Calvinismo, antes de mais nada, a rejeição de uma Igreja que colocou a si mesma entre a alma e Deus. A Igreja não consistia em um escritório, nem em um instituto independente, os próprios crentes eram a Igreja, porque pela fé permaneciam em contato com o Poderoso. Assim, como no Paganismo, no Islamismo e no Romanismo, assim também no Calvinismo é encontrada esta interpretação própria e precisa da relação fundamental do homem com Deus, que é requerida como a primeira condição de um sistema de vida real.

Duas Possíveis Objeções

Primeira Objeção – Calvinismo não está Sendo Apresentado como Protestantismo?
Entretanto, antecipo duas objeções. Em primeiro lugar, pode ser perguntado se eu não reivindico para o Calvinismo a honra que pertence ao Protestantismo em geral. A isto respondo com uma negativa. Quando reivindico para o Calvinismo a honra de ter restabelecido a comunhão direta com Deus, não desprezo o significado geral do Protestantismo. No domínio Protestante, tomado no sentido histórico, apenas o Luteranismo mantém-se ao lado do Calvinismo. Não quero ficar devendo nada a ninguém em meus elogios à iniciativa heróica de Lutero. Em seu coração, tanto mais que no de Calvino, foi combatido o amargo conflito que levou à ruptura mundial histórica. Lutero pode ser interpretado sem Calvino, mas Calvino não pode sem Lutero. Em grande parte Calvino inicia a colheita do que o herói de Wittenberg tinha semeado na Alemanha e fora dela. Mas quando a questão proposta é - quem tinha o discernimento mais claro do princípio reformador, trabalhado mais plenamente, e o aplicou mais amplamente, a História aponta para o Pensador de Genebra e não para o Herói de Wittenberg. Lutero, bem como Calvino, lutou pela comunhão direta com Deus, mas Lutero a tomou por seu lado subjetivo, antropológico, e não por seu lado objetivo, cosmológico como fez Calvino. O ponto de partida de Lutero foi o princípio soteriológico-especial de uma justificação pela fé; enquanto que o de Calvino, estendendo para mais longe, o coloca no princípio cosmológico geral da soberania de Deus. Como conseqüência natural disso, Lutero também continuou a considerar a Igreja como o “mestre” representante e autoritário, continuando entre Deus e o crente, enquanto Calvino foi o primeiro a procurar a Igreja nos próprios crentes. Até onde foi capaz, Lutero ainda apoiou-se sobre o conceito romanista dos sacramentos da liturgia, enquanto Calvino foi o primeiro, em ambos, a traçar uma ligação que estendeu-se imediatamente de Deus ao homem e do homem a Deus. Além disso, em todos os países Luteranos, a Reforma teve sua origem nos príncipes e não no povo , e assim passou sob o poder do magistrado, que tomou oficialmente sua posição na Igreja como seu mais alto Bispo, e portanto foi incapaz de mudar quer a vida social, quer a vida política de acordo com seu princípio. O Luteranismo restringiu-se a um caráter exclusivamente eclesiástico e teológico, enquanto que o Calvinismo coloca sua marca na Igreja e fora dela, sobre cada departamento da vida humana. Por isso, em lugar algum o Luteranismo é citado como o criador de uma forma peculiar de vida; até mesmo o nome de “Luteranismo” quase nunca é mencionado; enquanto que os estudantes de História com crescente unanimidade reconhecem o Calvinismo como o criador de uma cosmovisão inteiramente própria.

Segunda Objeção – A Visão de Deus é Mesmo Essencial?
A segunda objeção que temos é esta: Se é verdade que toda forma de desenvolvimento geral da vida deve encontrar seu ponto de partida em uma interpretação peculiar de nossa relação com Deus, - como então vocês explicam o fato que o Modernismo também tem conduzido a uma concepção geral como esta, não obstante ter ele nascido da Revolução Francesa, que por princípio rompeu com toda religião.
A questão responde a si mesma. Se vocês excluem de sua concepção todo ajuste de contas com o Deus Vivo, do modo como está implícito no grito, “Nenhum Deus, nenhum senhor”, - vocês certamente trazem para frente uma interpretação claramente definida de nossa relação com Deus. Um governo, como vocês mesmos experimentaram ultimamente no caso da Espanha,[22] que chama de volta seus embaixadores e interrompe todo intercurso regular com outro poder, declara com isso que sua relação para com o governo daquele país é uma relação forçada que geralmente termina em guerra. Este é o caso aqui. Os líderes da Revolução Francesa, não estando familiarizados com qualquer relação com Deus exceto aquela que existia através da mediação da Igreja romanista, aniquilaram toda relação com Deus, porque queriam aniquilar o poder da Igreja; e como conseqüência disto, declararam guerra contra todas as confissões religiosas. Mas isto, evidentemente, implicou de fato numa interpretação fundamental e especial de nossa relação com Deus. Era a declaração de que, doravante, Deus deveria ser considerado como um poder hostil, além disso, até mesmo como morto, se não ainda para o coração, ao menos para o Estado, para a sociedade e para a ciência.

Sem dúvida, ao passar das mãos francesas para as alemãs, o Modernismo não poderia ficar satisfeito com uma negação assim exposta; mas o resultado mostra como, a partir desse momento, ele se revestiu - quer do Panteísmo quer do Agnosticismo, e sob cada disfarce é mantida a exclusão de Deus da vida prática e teórica, e a inimizade contra o Deus Trino tem seu pleno desenvolvimento.
Assim, eu sustento que é a interpretação de nossa relação com Deus que domina todo sistema de vida em geral, e que para nós esta concepção é dada pelo Calvinismo, graças à sua interpretação fundamental de uma comunhão imediata de Deus com o homem e do homem com Deus. A isto, adiciono que o Calvinismo não inventou nem imaginou esta interpretação fundamental, mas que o próprio Deus a implantou no coração de seus heróis e de seus arautos. Nós não encaramos aqui o produto de um intelectualismo engenhoso, mas o fruto de uma obra de Deus no coração, ou, se vocês preferem, uma inspiração da História.
Este ponto deveria ser enfatizado! O Calvinismo nunca queimou seu incenso sobre o altar de gênios, não tem erguido monumento a seus heróis, ele raramente os chama pelo nome. Sobrevive apenas uma pedra num muro de Genebra para fazer alguém se lembrar de Calvino. Sua própria sepultura tem sido esquecida. É isto ingratidão? De modo algum. Mas se Calvino era apreciado, mesmo nos séculos 16 e 17, a impressão vívida era que Alguém maior do que Calvino, o próprio Deus, tinha feito sua obra aqui.

Portanto, nenhum movimento geral na vida é tão destituído de uma aliança deliberada, nenhum não tão convencional naquilo que semeia, como este. O Calvinismo teve sua ascensão simultaneamente em todos os países da Europa Ocidental, e não apareceu entre essas nações porque a Universidade estava em sua vanguarda, ou porque eruditos conduziram o povo, ou porque um magistrado colocou-se à sua frente; mas nasceu do coração do próprio povo, com tecelões e fazendeiros, com negociantes e servos, com mulheres e jovens donzelas; e em cada caso exibiu a mesma característica: a saber, forte segurança da salvação eterna, não somente sem a intervenção da Igreja, mas até mesmo em oposição a ela. O coração humano tinha obtido paz eterna com seu Deus: fortaleceu-se por esta comunhão divina, descobriu sua alta e santa chamada para consagrar cada departamento da vida e toda energia à sua disposição para a glória de Deus: e por isso, quando homens e mulheres, que tinham se tornado participantes dessa vida divina, eram forçados a abandonar sua fé, provou-se impossível que pudessem negar seu Senhor; e milhares e dezenas de milhares foram queimados na estaca, não lamentando, mas exultando com ação de graças em seus corações e salmos em seus lábios.

Calvino não foi o autor disto, mas Deus, que através de seu Santo Espírito fez em Calvino o mesmo que ele tinha feito neles. Calvino não ficou acima deles, mas ao seu lado como um irmão, um participante com eles das bênçãos de Deus. Deste modo, o Calvinismo chegou à sua interpretação fundamental de uma comunhão imediata com Deus, não porque Calvino o inventou, mas porque através desta comunhão imediata o próprio Deus tinha concedido aos nossos pais um privilégio, do qual Calvino foi apenas o primeiro a tornar-se claramente consciente. Esta é a grande obra do Espírito Santo na História, pela qual o Calvinismo tem sido consagrado, e que interpreta para nós sua magnífica energia.
Há ocasiões na História quando o pulso da vida religiosa bate timidamente, mas há ocasiões quando a sua batida é forte - este foi o caso no século 16 entre as nações da Europa Ocidental. A questão da fé, naquele tempo, dominava toda atividade na vida pública. A nova história começa desta , do mesmo modo que a história de nossos dias começa da incredulidade da Revolução Francesa. Qual lei este movimento de ritmo vibrante de vida religiosa obedece, não podemos dizer, mas é evidente que há tal lei, e que em tempos de alta tensão religiosa a ação interior do Espírito Santo sobre o coração é irresistível; e esta poderosa ação interior de Deus foi a experiência de nossos pais calvinistas, Puritanos e Peregrinos. Não ocorreu em todos os indivíduos no mesmo grau, pois em qualquer grande movimento isto nunca acontece; mas aqueles que formavam o centro da vida naqueles tempos, que eram os promotores daquela poderosa mudança, experimentaram a plenitude desse poder superior; e esses homens e mulheres de todas as classes da sociedade e de nacionalidade foram admitidos pelo próprio Deus à comunhão com a majestade de seu ser eterno. Graças a esta obra de Deus no coração, a convicção de que o todo da vida do homem deve ser vivido como na presença divina tem se tornado o pensamento fundamental do Calvinismo. Por esta idéia decisiva, ou melhor por este fato poderoso, ele tem se permitido ser controlado em cada departamento de seu domínio inteiro. É a partir deste pensamento-matriz que nasce o sistema de vida abrangente do Calvinismo.

A Segunda Condição – Nosso Relacionamento para com o Homem

Isto nos conduz à segunda condição, a qual, por causa da criação de um sistema de vida, cada movimento complexo tem de cumprir: a saber, uma interpretação fundamental própria no tocante a relação do homem com o homem. Como nos posicionamos para com Deus é a primeira, e como nos posicionamos para com o homem é a segunda questão principal que decide a tendência e a construção de nossa vida.

A Multiformidade da Raça Humana
Não há uniformidade entre os homens, mas multiformidade sem fim. Na própria criação tem sido estabelecidas diferenças entre a mulher e o homem. Dons e talentos físicos e espirituais são a causa de uma pessoa diferir da outra. Gerações passadas e nossa própria vida pessoal criam distinções. A posição social do rico e do pobre diferem completamente. Estas diferenças são, de um modo especial, enfraquecidas ou acentuadas por cada sistema de vida consistente, e o Paganismo e o Islamismo, o Romanismo bem como o Modernismo e assim também o Calvinismo, têm tomado sua posição nesta questão de acordo com seu princípio primordial.

O Paganismo Acentua as Diferenças
Se, como o Paganismo afirma, Deus habita na criatura, uma superioridade divina é exibida em tudo quanto é elevado entre os homens. Desse modo ele obteve seus semideuses, culto a heróis, e finalmente seus sacrifícios sobre o altar do Divino César Augusto. Por outro lado, tudo quanto é inferior é considerado como mau e, portanto, dá origem ao sistema de castas na Índia e no Egito, e à escravidão por toda a parte, colocando com isso um homem sob uma base de sujeição a seu próximo.

O Islamismo e o Catolicismo Acentuam as Diferenças
Sob o Islamismo, que sonha com seu paraíso de houries,[23] a sensualidade usurpa a autoridade pública, e a mulher é a escrava do homem, o mesmo ocorre com o kafir[24] que é o escravo dos muçulmanos. O Romanismo, tendo raiz em solo cristão, domina o caráter absoluto da distinção e o devolve relativo, a fim de interpretar toda relação do homem com o homem hierarquicamente. Há uma hierarquia entre os anjos de Deus, uma hierarquia na Igreja de Deus, e assim também uma hierarquia entre os homens, conduzindo a uma interpretação inteiramente aristocrática da vida como a encarnação do ideal.

O Modernismo Procura Eliminar todas as Diferenças
Finalmente, o Modernismo, que nega e abole toda diferença, não pode descansar até ter produzido mulher-homem e homem-mulher, e, colocando toda distinção em um nível comum, destrói a vida por colocá-la sob a maldição da uniformidade. Um tipo deve responder por todos, uma uniformidade, uma posição e um mesmo desenvolvimento da vida; e tudo quanto vai além e acima disto é considerado como um insulto à consciência comum.

A Interpretação Peculiar do Calvinismo
Do mesmo modo o Calvinismo tem derivado de sua relação fundamental com Deus uma interpretação peculiar da relação do homem com o homem, e esta é a única relação verdadeira que desde o século 16 tem dignificado a vida social. Se o Calvinismo coloca toda nossa vida humana imediatamente diante de Deus, então segue-se que todos os homens ou mulheres, rico ou pobre, fraco ou forte, obtuso ou talentoso, como criaturas de Deus e como pecadores perdidos, não têm de reivindicar qualquer domínio sobre o outro, e que permanecemos como iguais diante de Deus, e conseqüentemente iguais como seres humanos. Por isso, não podemos reconhecer qualquer distinção entre os homens, exceto a que tem sido imposta pelo próprio Deus, visto que ele deu a um autoridade sobre o outro, ou enriquece um com mais talentos do que o outro, para que o homem de mais talentos sirva o homem de menos, e nele sirva a seu Deus.

O Calvinismo Condena as Desigualdades Impostas e Dignifica a Pessoa
Por isso, o Calvinismo condena não simplesmente toda escravidão aberta ou sistema de castas, mas também toda escravidão dissimulada da mulher e do pobre; opõe-se a toda hierarquia entre os homens; não tolera a aristocracia, exceto a que é capaz, quer na pessoa ou na família, pela graça de Deus, de exibir superioridade de caráter ou talento, de mostrar que não reivindica esta superioridade para auto-engrandecimento ou orgulho ambicioso, mas para gastá-lo no serviço de Deus. Assim, o Calvinismo foi obrigado a encontrar sua expressão na interpretação democrática da vida; a proclamar a liberdade das nações; e a não descansar até que, tanto política como socialmente, cada homem, simplesmente porque é homem, seja reconhecido, respeitado e tratado como uma criatura criada à semelhança de Deus.

O Calvinismo Operou Transformações Sociais
Isto não resultou de inveja. Não era o homem de estado inferior que reduziu seu superior a seu nível, a fim de usurpar o lugar superior, mas sim todos os homens ajoelhando-se em aliança aos pés do Santo de Israel. Isto explica o fato de que o Calvinismo não fez uma súbita ruptura com o passado. Assim, como em seu estágio primitivo, o Cristianismo não aboliu a escravidão, mas o minou por um julgamento moral, desta forma o Calvinismo permitiu a continuação provisória das condições de hierarquia e aristocracia como tradições pertencentes à Idade Média. Não fez a acusação contra Guilherme de Orange de que ele era um príncipe de linhagem real; isto pelo contrário, o fez ser mais honrado. Mas, internamente, o Calvinismo tem modificado a estrutura da sociedade, não pela inveja de classes, nem por um apreço indevido pela possessão do rico, mas por uma interpretação mais séria da vida. Através de um melhor trabalho e um desenvolvimento superior do caráter das classes média e trabalhadora têm levado ao ciúmes a nobreza e os cidadãos mais ricos. Olhar primeiro para Deus, e então para a pessoa do próximo era o impulso, o pensamento e o costume espiritual ao qual o Calvinismo deu entrada. E deste santo temor de Deus e desta posição unida diante da sua face, uma idéia democrática mais santa tem se desenvolvido, e tem continuamente ganho terreno. Esta conclusão tem sido produzida, acima de tudo, pelo companheirismo no sofrimento. Quando, embora leal à fé romanista, os duques de Egmont e de Hoorn[25] subiram o mesmo cadafalso sobre o qual, por causa de uma fé mais nobre, o trabalhador e o tecelão tinham sido executados, a reconciliação entre as classes recebeu sua sanção naquela morte amarga. Por sua perseguição sanguinária, Alva a Aristocrata, promoveu o desenvolvimento próspero do espírito de democracia. Ter colocado o homem em uma posição de igualdade com o homem, é a glória imortal que pertence incontestavelmente ao Calvinismo. A diferença entre ele e o sonho selvagem de igualdade da Revolução Francesa é que, enquanto em Paris foi uma ação de comum acordo contra Deus, aqui, todos, rico e pobre, estavam sobre seus joelhos diante de Deus, consumidos com um zelo comum pela glória de seu nome.

A Terceira Condição – Nosso Relacionamento com o Mundo

A terceira relação fundamental que decide a interpretação da vida é a relação que vocês mantêm com o mundo. Como declarado previamente, há três elementos principais com os quais vocês obtém contato: a saber, Deus, homem e o mundo. A relação com Deus e com o homem na qual o Calvinismo coloca vocês foi assim revista, a terceira e última relação fundamental é esta: a saber, sua atitude para com o mundo.

A Visão do Mundo do Paganismo e do Islamismo
Do Paganismo pode geralmente ser dito, que ele coloca uma estimativa muito alta do mundo e, por isso, em alguma extensão, ele tanto permanece com medo dele, como perde-se nele. Por outro lado, o Islamismo coloca uma estimativa muito baixa do mundo, zomba dele e triunfa sobre ele ao alcançar o mundo visionário de um paraíso sensual. Para o propósito em vista, contudo, não precisamos dizer qualquer coisa a mais deles, visto que tanto para o cristão da Europa como da América a antítese entre o homem e o mundo tem assumido a forma mais estreita da antítese entre o mundo e os círculos cristãos. As tradições da Idade Média deram origem a isto. Sob a hierarquia de Roma, a Igreja e o Mundo foram colocados em oposição um ao outro, o primeiro como sendo santificado e o outro como estando ainda sob a maldição. Tudo fora da Igreja estava sob a influência de demônios, e o exorcismo expulsava este poder demoníaco de tudo que estivesse sob a proteção, influência e inspiração da Igreja.

A Igreja Tentando Reger o Mundo
Portanto, em um país cristão toda a vida social deveria estar coberta pelas asas da Igreja. O magistrado tinha de ser ungido e confessionalmente sujeitado; a arte e a ciência tinham de ser colocadas sob o estímulo e a censura eclesiástica; os negócios e o comércio tinham de estar sujeitos à Igreja pelo rigor das guildas;[26] e desde o berço até a sepultura, a vida familiar deveria ser colocada sob a tutela eclesiástica. Isto representou um gigantesco esforço para reivindicar o mundo todo para Cristo, mas algo que necessariamente trouxe consigo o mais severo julgamento sobre cada tendência de vida que, quer como herética, quer como demoníaca, se retirava da bênção da Igreja. Por isso, a estaca era igualmente apropriada para o bruxo e para o herege, pois, a princípio, ambos estavam sob a mesma maldição. E esta teoria enfraquecedora foi posta em prática com lógica férrea, não por crueldade, nem por alguma ambição inferior, mas por um propósito elevado de salvar o mundo cristianizado, isto é, o mundo sob as asas da Igreja. Fugir do mundo era o contrapeso nas ordens monásticas e em parte até mesmo nas ordens clericais, que enfatizavam santidade no centro da Igreja, a fim de fechar os olhos mais facilmente para os excessos mundanos fora do centro. Como resultado natural, o mundo corrompeu a Igreja, e por seu domínio sobre o mundo, a Igreja proveu um obstáculo a todo desenvolvimento livre de sua vida.

O Calvinismo Reconhece Deus no Mundo
Surgindo num estado social dualista, o Calvinismo tem realizado mudança completa no mundo dos pensamentos e concepções. Nisto também, colocando-se perante a face de Deus, tem honrado não apenas o homem por causa de sua semelhança à imagem divina, mas também o mundo como uma criação divina, e ao mesmo tempo tem dado proeminência ao grande princípio de que há uma graça particular que opera a salvação, e também uma graça comum pela qual Deus, mantendo a vida do mundo suaviza a maldição que repousa sobre ele, suspende seu processo de corrupção, e assim permite o desenvolvimento de nossa vida sem obstáculos, na qual glorifica-se como Criador.[27]

A Recuperação do Papel da Igreja
Deste modo a Igreja retrocedeu a fim de ser nada mais nada menos que a congregação de crentes, e em cada departamento a vida do mundo não foi emancipada de Deus, mas do domínio da Igreja. Assim, a vida doméstica recobrou sua independência, os negócios e o comércio atualizaram suas forças em liberdade, a arte e a ciência foram libertas de todo vínculo eclesiástico e restauradas à sua própria inspiração, e o homem começou a entender a sujeição de toda natureza, com suas forças e tesouros ocultos, a ele mesmo como um santo dever, imposto sobre ela pela ordenança original do Paraíso: “Tenha domínio sobre eles”. Doravante, a maldição não deveria mais repousar sobre o mundo em si, mas sobre aquilo que é pecaminoso nele, e em vez de vôo monástico do mundo o dever de servir a Deus no mundo, em cada posição na vida, é agora enfatizado. Louvar a Deus na Igreja e servi-lo no mundo tornou-se o impulso inspirador; na Igreja, deveria ser reunida força para resistir a tentação e ao pecado no mundo. Deste modo, a sobriedade puritana veio de mãos dadas com a reconquista da vida toda do mundo, e o Calvinismo deu o impulso para este novo desenvolvimento que ousou encarar o mundo com o pensamento Romano: nil humanum a me alienum puto[28], embora nunca permitiu-se ser intoxicado por sua taça venenosa.

O Erro dos Anabatistas
O Calvinismo apresenta-se como auxílio audacioso, especialmente em sua antítese ao Anabatismo.[29] Pois o Anabatismo adotou o método oposto, e em seu esforço de evitar o mundo, confirmou o ponto de partida monástico, generalizando e fazendo-o uma regra para todos os crentes. Não foi do princípio calvinista, mas deste princípio anabatista, que o Acosmismo[30] teve sua ascensão entre tantos protestantes na Europa Ocidental. De fato, o Anabatismo adotou a teoria romanista, com a seguinte diferença: colocou o reino de Deus no lugar da Igreja, e abandonou a distinção entre os dois padrões morais, um para o clero e outro para o laicato. Pois o suporte para o ponto de vista Anabatista era: (1) que o mundo não batizado estava sob a maldição, razão pela qual ele se afastava de toda instituição civil; e (2) que o círculo dos crentes batizados – com a Igreja de Roma, mas com ele o reino de Deus – estava na obrigação de limitar-se a tomar toda lei civil sob sua tutela e a remodelá-la; e assim, John of Leyden * João de Leiden estabeleceu violentamente seu poder cínico em Munster como Rei da Nova Sião[31], e seus devotos correram nús pelas ruas de Amsterdam. Portanto, nas mesmas bases sobre as quais o Calvinismo rejeitou a teoria de Roma a respeito do mundo, ele rejeitou a teoria do Anabatista, e proclamou que a Igreja deve retirar-se novamente para dentro de seu domínio espiritual, e que no mundo nós deveríamos realizar as potências da graça comum de Deus.

Resumo dos Três Primeiros Relacionamentos

Assim, é demonstrado que o Calvinismo tem um ponto de partida claramente definido para as três relações fundamentais de toda existência humana próprio: a saber, nossa relação com Deus, com o homem e com o mundo. Para nossa relação com Deus: uma comunhão imediata do homem com o Eterno, independentemente do sacerdote ou igreja. Para a relação do homem com o homem: o reconhecimento do valor humano em cada pessoa, que é seu em virtude de sua criação conforme a semelhança de Deus, e portanto da igualdade de todos os homens diante de Deus e de seu magistrado. E para nossa relação com o mundo: o reconhecimento que no mundo inteiro a maldição é restringida pela graça, que a vida do mundo deve ser honrada em sua independência, e que devemos, em cada campo, descobrir os tesouros e desenvolver as potências ocultas por Deus na natureza e na vida humana. Isto justifica plenamente nossa declaração de que o Calvinismo deve responder as três condições acima mencionadas, e assim está incontestavelmente autorizado a tomar sua posição ao lado do Paganismo, Islamismo, Romanismo e Modernismo, e a reivindicar para si a glória de possuir um princípio bem definido e um sistema de vida abrangente.

O Calvinismo se Apóia em Mais do que Já Apresentamos

Mas isto ainda não é tudo. O fato que num dado círculo o Calvinismo tem concebido uma interpretação da vida completamente própria, justifica sua reivindicação para afirmar-se como estrutura independente, da qual tanto no campo espiritual quanto no secular originou-se um sistema especial para a vida doméstica e social. Mas isto ainda não o credita com a honra de ter levado a humanidade, como tal, a um estágio superior em seu desenvolvimento. E, portanto, este sistema de vida não tem, até onde o temos considerado, atingido aquela posição única que poderia dar-lhe o direito de reivindicar para si a energia e devoção de nossos corações.

Civilizações que se Fecharam em um Círculo Próprio
Na China, pode ser afirmado com igual razão, que o Confucionismo tem produzido uma forma para a vida em um dado círculo próprio. E com a raça Mongol, esta forma de vida repousa sobre uma teoria própria. Mas, o que a China tem feito pela humanidade em geral e para o contínuo desenvolvimento de nossa raça? Até mesmo onde as águas de suas vidas foram claras, elas nada formaram exceto um lago isolado. A mesma observação aplica-se ao alto desenvolvimento que certa vez foi o motivo de orgulho da Índia, e ao estado de coisas no México e Peru nos dias de Montezuma e dos Íncas. Nestas regiões, o povo alcançou um alto grau de desenvolvimento, mas parou ali, e permanecendo isolado, não proveu nenhum benefício para a humanidade em geral. Isto aplica-se, mais fortemente ainda, à vida da raça negra na costa e no interior da África – a forma mais baixa de existência, não lembrando-nos nem mesmo de um lago, mas de uma poça d’água e de um brejo.

O Curso do Progresso da Civilização
Há, porém, um rio mundial, amplo e fresco, que desde o começo trouxe a promessa do futuro. Este rio tem sua origem na Ásia Média e no Levante e tem continuado firme em seu curso do Oriente para o Ocidente. Da Europa Ocidental, passou para seus Estados do Leste, e dali para a Califórnia. As fontes desse rio de desenvolvimento são encontradas na Babilônia e no vale do Nilo. Dali, seguiu para a Grécia. Da Grécia passou para o Império Romano. Das nações românicas, continuou seu caminho para as partes Noroeste da Europa, e da Holanda e Inglaterra ele alcançou finalmente seu continente. No presente, esse rio está em um remanso. Seu curso Ocidental através da China e Japão está impedido. Por enquanto, ninguém pode falar quais forças para o futuro podem ainda permanecer dormindo nas raças eslavas que têm até agora muita necessidade de progresso. Mas, enquanto esse segredo do futuro ainda está oculto em mistério, o curso do Oriente para o Ocidente desse rio mundial não pode ser negado por ninguém.
E, portanto, estou justificado em dizer que o Paganismo, o Islamismo e o Romanismo são três formações sucessivas que esse desenvolvimento tinha alcançado, quando sua direção suplementar passou para as mãos do Calvinismo; e a este Calvinismo, por sua vez, é agora negada esta influência liderada pelo Modernismo, o filho da Revolução Francesa.

O Desenvolvimento Orgânico dos Sistemas
A sucessão destas quatro fases de desenvolvimento não ocorreu mecanicamente, com divisões e partes claramente esboçadas. Este desenvolvimento da vida é orgânico e, portanto, cada novo período enraíza-se no passado. Em sua lógica mais profunda o Calvinismo já havia sido apreendido por Agostinho; muito tempo antes de Agostinho, tinha sido proclamado à Cidade das sete colinas pelo Apóstolo em sua Epístola aos romanos; e de Paulo remonta a Israel e seus profetas, sim às tendas dos patriarcas. O Romanismo, igualmente, não apareceu subitamente, mas é o produto de três potências combinadas: do sacerdócio de Israel, da cruz do Calvário e da organização mundial do Império Romano. O Islamismo do mesmo modo, une-se ao Monismo de Israel, ao Profeta de Nazaré e à tradição dos Koraishitas. E até mesmo o Paganismo da Babilônia e Egito por um lado, e da Grécia e Roma por outro, permanecem organicamente relacionados àquele encontrado antes destas nações, precedendo a prosperidade de suas vidas.

O Deslocamento do Desenvolvimento Humano
Mas, mesmo assim, é tão claro como o dia que a força suprema no desenvolvimento central da raça humana moveu-se para frente, sucessivamente da Babilônia e Egito para a Grécia e Roma, então para as principais regiões do domínio papal, e finalmente para as nações calvinistas da Europa Ocidental. Se Israel prosperou nos dias da Babilônia e Egito, apesar de seu alto padrão, a direção e desenvolvimento de nossa raça humana não estava nas mãos dos filhos de Abraão, mas nas dos filhos dos Belsazares e dos filhos dos Faraós.
Novamente, essa liderança não passou da Babilônia e Egito para Israel, mas para a Grécia e Roma. Embora o rio do Cristianismo tivesse subido muito, quando o Islamismo surgiu, nos séculos oitavo e nono os seguidores de Maomé foram os mestres e com eles repousou o comando do mundo. E, embora a hegemonia do Romanismo ainda mantida por si mesma, por um curto espaço de tempo depois da paz de Munster,[32] ninguém questiona o fato de que o desenvolvimento superior, que estamos agora gozando, não devemos nem a Espanha nem a Áustria, nem mesmo a Alemanha daquele tempo, mas aos países calvinistas dos Países Baixos e da Inglaterra do século 16.
Sob Luís 14, o Romanismo interrompeu esse desenvolvimento superior na França, mas somente para que, na Revolução Francesa, pudesse exibir aquela caricatura deformada do Calvinismo, a qual em suas tristes conseqüências quebrou a força interior da França como nação, e enfraqueceu seu significado internacional. A idéia fundamental do Calvinismo tem sido transplantada da Holanda e Inglaterra para a América, assim dirigindo nosso desenvolvimento maior sempre mais para o Oeste, agora nas costas do Pacífico, ele aguarda respeitosamente tudo quanto Deus tem ordenado.
Mas não obstante quais mistérios o futuro possa ainda ter para desvendar, o fato é que o amplo rio do desenvolvimento de nossa raça corre da Babilônia para São Francisco, através da estadia em cinco civilizações Babilônica-Egípcia, Greco-Romana, Islâmica, romanista e calvinista, e o conflito atual na Europa, bem como na América, encontra sua causa principal na antítese fundamental entre a energia do Calvinismo que procedeu do trono de Deus, encontrou a fonte de seu poder na Palavra de Deus, e em cada esfera da vida humana exaltou a glória de Deus, - e sua caricatura na Revolução Francesa, que proclamou sua incredulidade ao gritar, “Nenhum Deus, nenhum senhor”; e que, atualmente, na forma de Panteísmo alemão, está reduzindo-se mais e mais a um Paganismo moderno.

A Importância da Mistura de Sangue das Raças

Assim, observe que eu não fui muito audacioso quando reivindiquei para o Calvinismo a honra de ser não uma concepção eclesiástica, nem uma concepção teológica, nem uma concepção sectária, mas uma das principais fases no desenvolvimento geral de nossa raça humana; e entre estas a mais jovem, cuja grande vocação é influenciar ainda mais o curso da vida humana. Contudo, permitam-me indicar uma outra circunstância, a qual reforça minha declaração principal, a saber, a mistura de sangue como, até aqui, a base física de todo desenvolvimento humano superior.

O Princípio do Processo
Das terras altas da Ásia nossa raça humana desceu em grupos, e estes por sua vez têm sido divididos em raças e nações; e em total conformidade com a bênção profética de Noé, os filhos de Sem e de Jafé têm sido os únicos portadores do desenvolvimento da raça. Nenhum impulso para qualquer vida superior jamais tem vindo do terceiro grupo. Com os dois grupos apresenta-se um duplo fenômeno. Há nações tribais que têm se isolado e outras que têm se miscigenado. Deste modo, por um lado, há grupos que têm dominado exclusivamente suas próprias forças inerentes, e por outro lado, grupos que pela mistura têm cruzado suas características com as de outras tribos e, assim, atingido uma perfeição superior.

O Desenvolvimento nos que não se Isolaram
É digno de nota que o processo do desenvolvimento humano prossegue continuamente com aqueles grupos cuja característica histórica não é o isolamento, mas a mistura de sangue. No todo a raça mongol tem se mantido separada, e em seu isolamento não tem conferido nenhum benefício para nossa raça em geral. Atrás do Himalaia uma vida, semelhantemente, separou-se e por isso falhou em comunicar qualquer impulso permanente para o mundo exterior. Até mesmo na Europa, encontramos que com os escandinavos e eslavos dificilmente há alguma miscigenação e, conseqüentemente, tendo falhado em desenvolver um tipo mais rico, eles têm pouca participação no desenvolvimento geral da vida humana.

Os Semítico-Babilônios
Por outro lado, os tabletes da Babilônia, em nossos grandes Museus, pelas duas linguagens de suas inscrições mostram que na Mesopotâmia o elemento Ariano[33] dos Acadianos[34] misturou-se em um período primitivo com o Semita-babilônico; e a egiptologia nos leva a concluir que na terra dos faraós tratamos desde o começo com uma população produzida pela mistura de duas tribos muito diferentes. Ninguém mais crê na pretensa raça única dos gregos. Na Grécia, tanto quanto na Itália, tratamos com raças de uma data posterior que tem se miscigenado com os primitivos pelasgos,[35] etruscos e outros.

O Islamismo e as Nações Católicas
O Islamismo parece ser exclusivamente árabe, mas um estudo sobre a sua expansão entre os mouros, persas, turcos e outra série de tribos subjugadas, com quem era comum unirem-se por casamento, revela ao mesmo tempo o fato que, especialmente com os maometanos, a mistura de sangue foi ainda maior do que com seus predecessores. Quando a liderança passou para as mãos das nações romanas, o mesmo fenômeno apresentou-se na Itália, Espanha, Portugal e França. Nestes casos os nativos eram geralmente bascos ou celtas,[36] os celtas por sua vez foram conquistados pelas tribos germânicas, e igualmente na Itália os godos do Oriente e os lombardos, assim na Espanha os godos do Ocidente, em Portugal os suevos, e na França os francos introduziram novo sangue nas veias debilitadas, e a este rejuvenescimento maravilhoso as nações romanas devem seu vigor até além do século 16.

O Exemplo das Famílias dos Regentes
Assim, na vida das nações o mesmo fenômeno se repete, o qual muitas vezes surpreende o historiador como um resultado de casamentos internacionais entre famílias reais, como vemos por exemplo como os Hapsburgos e os Burbons, os Oranges e os Hohenzollernos têm sido, século a século, produtor de uma multidão dos mais notáveis estadistas e heróis. O criador de animais tem visado o mesmo efeito através cruzamento de diferentes raças, e os botânicos têm colhido amplos proveitos com as plantas pela obediência a mesma lei da vida; por si mesmo não é difícil perceber que a união de poderes naturais, divididos entre diferentes tribos, deve ser produtor de um desenvolvimento superior.

O Objetivo da Mistura
A isto deveria ser adicionado que a história de nossa raça não visa a melhoria de uma tribo em particular, mas o desenvolvimento da humanidade tomada como um todo; e, portanto, necessita dessa mistura de sangue, a fim de atingir seu fim. De fato, a História mostra que as nações entre as quais o Calvinismo prosperou exibem mais amplamente em todas as formas essa mesma mistura de raças. Na Suíça, os alemães uniram-se com o italianos e os franceses; na França, os gauleses com os francos e os borgonheses; nas Terras Baixas, celtas e galeses [37] com alemães; também na Inglaterra os velhos celtas e anglo-saxões foram mais tarde elevados a um padrão de vida nacional ainda mais alto pela invasão dos normandos. De fato pode ser dito que as três principais tribos da Europa Ocidental, a Céltica, a Romana e a Alemã, elementos sob a liderança da alemã, nos dá a genealogia das nações calvinistas.

A Mistura na América
Na América, onde o Calvinismo tem se expandido numa liberdade ainda maior, esta mistura de sangue está assumindo uma proporção maior do que tem sido conhecida até agora. Aqui, flui junto o sangue de todas as tribos do mundo antigo, e novamente temos os celtas da Irlanda, os alemães da Alemanha e da Escandinávia, unidos aos eslavos da Rússia e Polônia, que promovem ainda mais essa já vigorosa miscigenação das raças. Este último processo ocorre sob o mais alto expoente, que não é meramente a união de tribo com tribo, mas que as velhas nações históricas estão se dissolvendo, a fim de permitir a reunião de seus membros numa unidade superior, até agora continuamente assimilado pelo tipo americano. Também nesse aspecto, o Calvinismo igualmente satisfaz plenamente as condições impostas sobre cada nova fase de desenvolvimento na vida da humanidade. Ele se expandiu num campo onde encontrou a mistura de sangue mais forte do que sob o Romanismo, e na América elevou isto a sua mais alta realização concebível.

O Calvinismo e a Marcha da Liberdade Política

Assim é demostrado que o Calvinismo não apenas satisfaz a condição necessária da mistura de sangue, mas que no processo do desenvolvimento humano também representa, com respeito a isto, uma fase adicional. Na Babilônia, esta mistura de sangue foi de pouca importância; ela ganha importância com os gregos e romanos; e vai mais adiante sob o Islamismo; é dominante sob o Romanismo; mas somente entre as nações calvinistas alcança sua mais alta perfeição. Aqui, na América, está se conseguindo a miscigenação de todas as nações do velho mundo.
Um clímax similar deste processo de desenvolvimento humano é exibido também pelo Calvinismo no fato que, somente sob sua influência, o impulso da atividade pública procedeu do próprio povo. Na vida das nações também há desenvolvimento do período de menoridade para o da maioridade. Como na vida familiar, durante os anos de infância, a direção dos afazeres está nas mãos dos pais, assim também na vida das nações é natural que durante seu período de menoridade primeiro o déspota asiático deveria estar à frente de cada movimento, então algum eminente governador, mais tarde o sacerdote, e finalmente ambos, o sacerdote e o magistrado juntos.

A Transição da Autocracia ao Povo
A história das nações na Babilônia e sob os Faraós, na Grécia e Roma, sob o Islamismo e sob o sistema papal, confirma plenamente este curso de desenvolvimento. Mas é auto-evidente que isso não poderia ser o estado permanente das coisas. Exatamente porque em seu desenvolvimento progressivo as nações finalmente atingiram a maioridade, agora devem, em fim, alcançar aquela fase na qual o próprio povo despertado, defende seus direitos e dá origem ao movimento que deve dirigir o curso dos eventos futuros. E na ascensão do Calvinismo esta fase mostra-se ter sido alcançada. Até aqui cada movimento para frente tinha saído da autoridade do Estado, da Igreja ou da Ciência, e daí descido para o povo. No Calvinismo, por outro lado, as próprias pessoas destacam-se em suas classes sociais e a partir de uma espontaneidade própria delas, pressionam para frente, para uma forma de vida e condições sociais superiores. O Calvinismo teve sua ascensão com o povo. Nos países Luteranos o magistrado ainda era o líder nos avanços públicos, mas na Suíça, entre os huguenotes, na Bélgica, na Holanda, na Escócia e também na América as próprias pessoas criaram o impulso. Elas parecem ter amadurecido; ter alcançado o período da maioridade. Mesmo quando em alguns casos, como na Holanda, a nobreza por um momento tomou uma posição heróica pelos oprimidos, sua atividade terminou em nada, e somente o povo, pela energia destemida, rompeu a barreira, e entre estes estava o “povo comum”, para quem a iniciativa heróica de William o Silencioso,[38] como ele mesmo reconhece, deveu o sucesso de seu empreendimento.

O Calvinismo Ocupa por Direito o Ponto Central do Desenvolvimento Humano
Portanto, como fenômeno central no desenvolvimento da humanidade, o Calvinismo não está apenas habilitado a uma posição de honra ao lado das formas paganista, islâmica e romanista, visto que como estes ele representa um princípio peculiar dominando o todo da vida, mas também satisfaz cada condição requerida para o avanço do desenvolvimento humano a um estágio superior. E isto permaneceria ainda uma simples possibilidade sem qualquer realidade correspondente, se a História não testificasse que o Calvinismo tem realmente induzido o rio da vida humana a fluir em outro canal, e tem enobrecido a vida social das nações. E portanto, encerrando, eu afirmo que o Calvinismo não somente sustenta estas possibilidades, mas também tem compreendido como realizá-las.

Como Seria o Mundo sem o Calvinismo?
Para provar isto, perguntem-se o que a Europa e a América teriam se tornado, se no século 16 a estrela do Calvinismo não tivesse subitamente nascido no horizonte da Europa Ocidental. Neste caso, a Espanha teria esmagado a Holanda. Na Inglaterra e Escócia, os Stuarts teriam executado seus planos fatais. Na Suíça, o espírito de indiferença teria prosperado. Os primórdios da vida neste novo mundo teriam sido de um caráter completamente diferente. E como seqüência inevitável, a balança do poder na Europa teria retornado a sua primeira posição. O Protestantismo não teria sido capaz de manter-se na política. Nenhuma resistência adicional poderia ter sido oferecida ao poder romanista conservador dos Hapsburgos, dos Bourbons e dos Stuarts; e o livre desenvolvimento das nações, como visto na Europa e América, simplesmente teria sido impedido. Todo o continente americano teria permanecido sujeito à Espanha. A história de ambos os continentes teria se tornado uma história muito triste, e sempre permanece uma questão se o espírito do Ínterim de Leipzig[39] não teria sido bem-sucedido, por via de um protestantismo romanizado, ao reduzir o norte da Europa novamente ao controle da velha hierarquia.

O Heroísmo do Espírito Calvinista
A devoção entusiástica dos melhores historiadores da segunda metade deste século à luta da Holanda contra a Espanha, um dos mais belos objetos de investigação, somente explica-se pela convicção de que se o poder da Espanha naquele tempo não tivesse sido quebrado pelo heroísmo do espírito calvinista, a história da Holanda, da Europa e do mundo teria sido tão penosamente triste e negra quanto agora; graças ao Calvinismo, ela é brilhante e inspiradora. O professor Fruin corretamente observa que: “Na Suíça, na França, na Holanda, na Escócia e na Inglaterra, e onde quer que o Protestantismo teve de estabelecer-se na ponta da espada, foi o Calvinismo que prosperou”.

O Cântico da Liberdade Vira Realidade, com o Calvinismo
Traga à memória que esta mudança na História do mundo não poderia ter sido realizada exceto pelo implante de outro princípio no coração humano, e pela descoberta de outro mundo de pensamento para a mente humana; que somente pelo Calvinismo o salmo de liberdade encontrou seu caminho da consciência perturbada para os lábios; que ele tem conquistado e garantido para nós nossos direitos civis constitucionais; e que, simultaneamente a isto, saiu da Europa Ocidental aquele poderoso movimento que promoveu o reavivamento da ciência e da arte, abriu novas avenidas para o comércio e negócios, embelezou a vida doméstica e social, exaltou a classe média a posições de honra, produziu filantropia em abundância, e mais do que tudo isto, elevou, purificou e enobreceu a vida moral pela seriedade puritana; e então julguem por si mesmos se expulsarão ainda mais este Deus dado pelo Calvinismo aos arquivos da História, e se é apenas um sonho imaginar que ele ainda tenha uma bênção para trazer e uma esperança brilhante para desvendar para o futuro.

O Calvinismo Inspira a Vitória
A luta dos Boers[40] na Transvaal[41] contra um dos mais fortes poderes deve freqüentemente lembrar vocês de seu próprio passado. Naquilo que foi alcançado na Majuba,[42] e recentemente por ocasião do confronto de Jameson, o heroísmo do velho Calvinismo foi de novo brilhantemente evidenciado. Se o Calvinismo não tivesse sido passado de nossos pais para seus descendentes africanos, nenhuma república livre teria surgido no sul do Continente Negro. Isto prova que o Calvinismo não está morto – que ele ainda carrega em seus germes a energia vital dos dias de sua primeira glória. Sim, assim como um grão de trigo do sarcófago dos Faraós, quando novamente confiados a guarda do solo, traz fruto a cem vezes mais, assim o Calvinismo ainda carrega em si um poder maravilhoso para o futuro das nações. E se nós, cristãos de ambos os continentes, ainda em nossa santa luta, ainda estamos esperando realizar ações heróicas marchando sob a bandeira da cruz contra o espírito dos tempos, somente o Calvinismo nos equipa com um princípio inflexível, pela força deste princípio, garantindo-nos uma vitória segura, embora longe de ser uma vitória fácil.




[1] NT - Do inglês salutiferous, que indica: benéfico, salutar.
[2] Como o Dr. James Orr (em sua valiosa palestra sobre o Conceito Cristão de Deus e do Mundo, Edinburgo, 1897, p.3) observa, o termo técnico alemão Weltanschauung não tem equivalente preciso em Inglês. Por isso, ele usou a tradução literal conceito do mundo (cosmovisão); no entanto, esta frase em inglês é limitada pelas associações, as quais a relacionam predominantemente com a natureza física. Por esta razão, a frase mais explícita: concepção de vida e do mundo parece ser mais preferível. Meus amigos americanos, contudo, falaram-me que a frase curta: sistema de vida, do outro lado do oceano, é freqüentemente usada no mesmo sentido. Assim palestrando diante de um público americano, eu usei a frase mais curta, ao menos no título de minha primeira palestra, a expressão mais curta sempre tem alguma preferência para o que deve ser a identificação geral de nosso assunto. Em minhas palestras, pelo contrário, eu uso alternadamente ambas as frases, sistema de vida e concepção de vida e mundo de acordo com o significado especial predominante em minha argumentação.
[3] NT - Revelim quer dizer uma construção externa e saliente, de forma angular, para defesa de pontes, nas fortificações.

[4] (NT) Caso Dreyfus: Alfred Dreyfus, capitão do exército francês, de origem judaica, foi injustamente condenado à prisão perpétua por traição, em 1894. O caso galvanizou a opinião pública e vários intelectuais escreveram em sua defesa, mas somente em 1906 ele foi reabilitado. Kuyper refere-se aos anos recentes da controvérsia, quando o caso tomou colorações anti-semíticas – Dreyfus era apontado como vilão e os judeus, ligados aos calvinistas, apontados como inimigos dos Franceses.
[5] (NE) Charles Hodge: O maior teólogo Norte Americano do século 19 (1797-1878), estudou na Universidade de Princeton e, posteriormente, no seu Seminário, instituição da qual se tornou professor. Foi um profuso escritor e produziu uma famosa Teologia Sistemática que apresenta uma sólida visão calvinista da vida. Hodge influenciou profundamente a visão de Simonton sobre o campo missionário.
[6] George Whitefield, nasceu em 1714, em Gloucester, Inglaterra; e morreu em 1770, na América. Um pregador de eloqüência incomum.
[7] R. Fruin, Tien Jaren uit den Tachtig-jarigen Oorlog, p. 151.
[8] R. C. Bakhuizen Van Den Brink, Het Huwelijk van Willem van Orange met Anna van Saxen; 1853, p. 123: “Zoo al de laatste in tijdsorde, zoo was het Calvinisme de hoogste ontwikkelingsvorm van het Godsdienstig-staatkundig der zestiende eeuw. Zelfs de rechtzinnige staatkundigen dier eeuw, zagen met niet minder verachting em afschuw neder op den Geneefschen regeeringsvorm – als men het in onze dagen zou kunnen doen, wanneer een Staat het socialisme tot beginsel mocht aannemen. Een hervormingskamp, die zoo laat na het ontstaan der Hervorming kwam als dat bij nos, in Frankrijk em in Schotland plaats had, kon niet anders dan Calvinistisch em tem voordeele van het Calvinisme zijn.”
[9] (NE) Peregrinos: refugiados puritanos da Holanda e Inglaterra, que colonizaram a América do Norte.
[10] Cd. Busken Hurt, Het Land van Rembrandt, 2de, druk, II, p. 223.
P. 159: “Was uit den aard der zaak de religie eene der hoofdzenuwen van den Kalvinistischen Staat,”enz. (om andere redenen de negotie):
Na p. 10, Nota 3: “De geschiedenis van onze vrijwording is voor een groot gedeelte geschiedenis van onze hervorming, em de geschiedenis van onze hervorming is grootendeels geschiedenis van de uitbreiding van het Kalvinisme.” Bakhuizen Van den Brink, Studien em Schetsen, IV, 68, v. g.
[11] History of the United States of America, Ed. New York, II, p. 405. Cf Von Polenz, Geschichte des Franzoischen Protestantismus, 1857, I, p. viii: “Eine Geschichte ... in welcher der Geist, den Luther in Frankreich geweckt, dieses mit Eigenem und Fremden genahrt und gefordert, Calvin aber gereinigt, geregelt, gehutet, gestarkt, fixirt und als em bewegendes Ferment uber die Schranken des Raums und der Verhaltnisse weiter getrieben hat, der in seinen mannigfachen Strahlen alle geschichtlichen Moment mehr oder weniger beruhrenden Brenn- und Lichtpunkt bildet. Nennen wir diesen Geist, uneigentlich und anachronistisch zwar, aber, da er ohne Calvin sich verfluchtigt haben wurde, nicht unwahr, Calvinismus: so ist meine Geschichte, ausser der des franzosischen Calvinismus im engeren und eigentlichen Sinne, die siener einwirkung auf Religion, Kirche, Sitte, Gesellschaft und sonstige Verhltnissen Frankreichs.”
C. G. McCrie, The Public Worship of Presbyterian Scotland; 1892, p. 95: Isto pode levar alguns a atribuir valor a estes sentimentos de Calvino se eles sabem sob qual luz o sistema que leva sua estampa e seu nome é considerado por um clérico Anglicano de erudição e discernimento, que deu a ele um direito de ser ouvido em tal assunto. “O movimento protestante,” escreveu Mark Pattison, “foi salvo de ser afundado nas areias movediças da disputa doutrinária pela nova direção moral dada a ele em Genebra. ‘O Calvinismo salvou a Europa’.”
P. Hume Brown, John Knox; 1895, p. 252: De todos os desenvolvimentos do Cristianismo, somente o Calvinismo e a Igreja de Roma levam o selo de uma religião absoluta.
P. 257: A diferença entre Calvino e Castalio, e entre Knox e os Anabatistas, não era meramente de doutrina e dogma: sua diferença essencial encontra-se no espírito com o qual eles respectivamente consideram a própria sociedade humana.
R. Willis, Servetus e Calvin; 1877, p. 514 e 515: Pode haver pouca disputa, de fato, que o Calvinismo, ou alguma modificação de seus princípios essencial, é a forma de fé religiosa que tem sido professada no mundo moderno pelo mais inteligente, moral, diligente, e livre da humanidade
Chambers, Encyclopedia; Filadélfia; 1888, no verbete Calvinismo: “Com o reavivamento da parte evangélica no final do século o Calvinismo reviveu, e ainda mantém, se não um domínio absoluto, contudo uma influência poderosa sobre muitas mentes na Igreja Anglicana oficial. Ele é um dos mais vivos e poderosos entre os credos da Reforma.”
Dr. C. Sylvester Horne, Evangelical Magazine, Agosto, 1898. New Calvinism, p. 375 e seguintes. E o Dr. W. Hastie, Theology as Science; Glasgow, 1899, pp. 100-106: Minha apologia e apelo pela Teologia reformada, na presença de outras tendências teológicas de hoje, tem sido fundamentada sobre os dois pontos mais gerais e fundamentais do credo que podem ser tomados: a universalidade de sua base na natureza humana, como a condição de seu método, e a universalidade de Deus, como a base de sua verdade absoluta.
[12] (NE) Geuzen (plural) ou Geus (sing.), no holandês e Beggars, em inglês. Representa a utilização, na Holanda, do termo francês gueux, que significava pedinte ou malandro, isso em função dos holandeses que se revoltaram contra o rei Felipe II, da Espanha, representando, depois da revolta, grande quantidade de pessoas mal-vestidas e mutiladas. Muitos foram alvo de perseguição pela Inquisição e chegavam, na Holanda, sem partes do nariz ou da orelha, arrancadas por seus perseguidores. Grande parte fugiu pelo mar e nem todos eram protestantes piedosos. O apelido, que inicialmente era pejorativo, foi adotado, posteriormente pelo resto da população calvinista protestante holandesa, atribuindo-lhe honraria. Intrinsecamente o termo é carregado de conotações históricas e possui uma certa distinção com as designações: Puritanos ou Peregrinos.
[13] (NE) Balcãs ou Países balcânicos: Países da região do sudeste da Europa , delimitada pela Península Balcã, que contém os montes Balcãs. Compreende, entre outros países, a Grécia, a parte européia da Turquia, a Bulgária, a Croácia, a Sérvia e a Albânia. Na ocasião em que Kuyper pronunciou essas palavras, a região se encontrava parcialmente sob o poder do Império Otomano (turcos).
[14] (NE) Menelik II: Imperador da Etiópia (1844-1913), antiga Abissínia, responsável pela unificação daquele país. Fortaleceu a influência da igreja Coptica (antigo ramo africano da igreja cristã) e entre as reformas sociais promovidas destaca-se a abolição da escravidão.
[15] (NE) Puseísmo ou Puseyismo: Idéias e doutrinas do teólogo da Igreja Anglicana, Edward Bouverie Pusey (1800-1882), da Universidade de Oxford, expostas em vários panfletos publicados, nos quais ele, paradoxalmente, se contrapunha ao liberalismo mas advocava sucessão apostólica e, posteriormente, a reunificação à Igreja Católica. Na Igreja Anglicana instituiu irmandades, a confissão auricular e um reavivamento do ritualismo. Escreveu também vários comentários bíblicos.
[16] (NE) Independentes: Congregacionais Puritanos, da Inglaterra, que haviam sido formuladores e eram igualmente subscritores, juntamente com os Presbiterianos, à Confissão de Fé de Westminster, um dos documentos calvinistas mais importantes do século 17.
[17] (NE) Summus Episcopus: Bispo maior. Governante não só do país, mas autoridade maior sobre a igreja.
[18] (NE) Ecclesia Docens: Igreja tutelada.
[19] NT – Antípoda isto é, o contrário, o oposto.
[20] Originariamente uma touca persa. A tiara do papado denota seu tríplice poder: temporal, espiritual e purgatorial.

[21] NT – Expressão em latim que significa: “Glória somente a Deus”.
[22] (NE) Caso da Espanha: Kuyper está provavelmente se referindo ao estado de tensão, que existia desde 1895, provocado pelo domínio da Espanha sobre Cuba, que resultou na virtual declaração de Guerra entre os Estados Unidos e a Espanha, em 11 de abril de 1898, e na independência de Cuba. Note que é nesse ano que essas palestras estão sendo proferidas.
[23] De uma palavra persa que significa “olhos negros”. NT – Huri significa “Moça que, segundo Maomé, espera no céu, os crentes da sua religião; odalisca.”
[24] (NE) Kafir, escravo do muçulmano: Na língua árabe, kafir significa descrente. Seria o equivalente ao gentio, para os judeus. Os muçulmanos podiam tomar descrentes como escravos.

[25] (NE) Duques de Egmont e Hoorn: Kuyper está se referindo à execução sofrida pelos dois nobres holandeses, que haviam participado de uma das muitas insurreições contra o domínio espanhol, ocorrida em 5 de junho de 1598. Muitas vidas foram ceifadas, de nobres e do “povo comum” na campanha impiedosa desencadeada pelo duque de Alba, atendendo ao comissionamento do rei Felipe II, da Espanha. A Holanda somente ganhou a sua plena independência após muitas lutas, e vários armistícios, em 1648.
[26] (NE) Corporações, sindicatos
[27] Cf. p. 134 e seguintes.
[28] NT – Expressão em Latim de lema humanista: Nada que seja humano deixa de ser importante para mim.
[29] (NE) Anabatismo: movimento dissidente da Reforma, que surgiu na Suíça (1523) e no sul da Alemanha, contra o Luteranismo, rejeitando, principalmente, a autoridade do Estado sobre a Igreja, o batismo de crianças e outras doutrinas luteranas. São considerados os precursores dos Batistas e dos Menonitas, mas a revolta foi mais política do que doutrinária e no final teve incidentes de anarquia administrativa e eclesiástica e muito derramamento de sangue.
[30] (NE) Acosmismo: Tecnicamente, significa a crença que nega a existência de um universo com existência distinta de Deus. Na prática, possivelmente o sentido empregado por Kuyper, representa a negação de qualquer legitimidade às atividades humanas, fora da cobertura da igreja.
* João de Leiden.
[31] (NE) João de Leiden: Jan Beukelszoon (1509-1536), líder anabatista que invadiu e conquistou Münster. Ali, foi coroado “Rei”, executou seus opositores e instituiu uma comunidade de bens e a poligamia. Deixou um legado lamentável na reputação dos anabatistas.
[32] (N do T) Paz de Münster: O resultado de três anos de reuniões, entre delegados da Espanha e da Holanda, que garantiu a paz entre os dois países. A reunião de assinatura do tratado, nesta cidade, foi imortalizada pelo pintor holandês Gerard Ter Borch (1617-1681) em quadro do mesmo nome.
[33] Arian, da palavra sânscrita Aria, significando nobre – um termo anteriormente usado sinonimamente com Indo-Europeu ou Indo-Alemão. O termo é algumas vezes usado livremente no sentido de Jafético (indo-europeu).
[34] De Accad, talvez a sulina de duas divisões da Babilônia: Sumer e Acade. Mantido por alguns como sendo não semita. Cf. Gênesis 10:10
[35] (NE) Pelasgos: Antigos habitantes da Grécia (era pré-helênica), mencionados na Ilíada, de Homero, como aliados aos Troianos. Os etruscos foram os antigos habitantes da península itálica (era pré-romana).
[36] Celta ou Kelta: um membro do ramo europeu ocidental da família Arian que inclui os povos gadélicos, o gaélico escocês, o irlandês e maneses, e o címbrico (o galês, o córnico e o baixo bretão). Os romanos os conheciam como gauleses. Eles estavam evidentemente relacionados aos alemães. O uso indiscriminado do termo Celta tem trazido muita confusão.
[37] Habitantes de Gales, parte da Grã Bretanha. A palavra Welsh (holandês, waalsch) significa estrangeiro. A linguagem galesa é a címbrica como falada pelos galeses. Cf. nota precedente.
[38] (NE) William, o silencioso: Kuyper refere-se a William I (1533-1584), grande líder da Holanda, em sua guerra de independência contra o domínio espanhol. Suas várias tentativas de libertação da Holanda somente tiveram sucesso quando não somente os nobres e seus exércitos se alinharam contra a Espanha, mas principalmente quando o povo comum abraçou a causa em sublevação conjunta.
[39] Este Ínterim (provisório) foi feito em 1548 por Melanchton e outros sob o comando de Maurício da Saxônia. As cerimônias R. C. foram declaradas adiaphofron, e a “Sola” de Lutero foi evitada. Foi uma modificação muito mediadora do Ínterim de Augsburgo, imposto no mesmo ano. Ínterim significa “Acordo provisório”, neste caso entre os Católicos romanos e os Protestantes alemães.
[40] A maneira correta de grafar é boere, plural de boer, fazendeiro, modo pejorativo de os ingleses se referirem aos descendentes dos holandeses na África do Sul.
[41] (NE) Kuyper faz referência à Guerra dos Boers, na África do Sul (1880-1902), na qual os descendentes de holandeses lutaram contra o Império Britânico para garantir a independência daquele país. Kuyper apela à semelhança daquele levante com a Guerra de Independência dos Estados Unidos (1776).
[42] (NE) Majuba: Essa cidade foi palco de derrota dos ingleses, em fevereiro de 1881, o que garantiu o auto-governo ao Transvaal (então república, mais tarde uma das províncias da África do Sul).

Fonte: Calvinismo, Abraham Kuyper - EditoraCultura Cristã

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