domingo, 5 de dezembro de 2010

A EXPIAÇÃO LIMITADA


por Duane Edward Spencer

Chegamos ao ponto que nos parece o mais difícil dos Cinco Pontos do Calvinismo, e isso porque a comunidade cris­tã tem sido condicionada emocionalmente por falsas práticas, que se originaram de falsas doutrinas relacionadas com o surgimento de missionários e com o levantamento de fundos para missões.

Quando falamos na obra meritória de Cristo, na cruz, dizemos corretamente que ele morreu por todos os homens igual­mente, como dizem os arminianos, ou afirmamos mais acuradamente (com os calvinistas) que Cristo morreu só pelos eleitos?

Antes de nos manifestarmos a respeito de uma conclusão apressada, baseada em emoções ou em tradições denominacio­nais, vejamos o que a Palavra de Deus e a Lógica têm a dizer com respeito a este assunto de vital importância.

Muito daquilo que pensamos a respeito da morte expiatória de Cristo estará condicionado por aquilo que entendemos signi­ficar a simples palavra “Mundo”. No Evangelho de João, esta palavra tem sentido especial. Observemos que esta palavra pode significar:

  1. O universo ordenado, que é o seu sentido clássico;
  2. Pode significar a própria terra;
  3. Pode designar os habitantes humanos na terra;
  4. Pode significar a humanidade sujeita ao juízo do Criador, e alienada dele, no sentido ético;
  5. Pode significar o povo que estava ao redor de Cristo, tanto gentios como judeus;
  6. Pode significar o reino de forças más, tanto de natureza angé­lica (maligna) como de natureza humana, relacionado com a terra;
  7. Pode significar homens de toda tribo e nação, mas não de todas as tribos e nações, em sua totalidade.
Em outras palavras, o vocábulo 'mundo' pode referir-se a tudo o que Deus criou, ou à esfera terrena habitada pela humani­dade como um todo, ou aos contemporâneos de Cristo, na Pales­tina, ou a todas as forças más relacionadas com a terra, em sua rebelião contra Deus, ou, ainda, pode designar pessoas de cada tribo e nação que vivem na face da terra. Assim, onde quer que à palavra 'mundo' apareça deve ser considerada de acordo com seu contexto; do mesmo modo deve-se considerar a palavra 'to­dos'. Por exemplo, as Escrituras registram a seguinte expressão dos fariseus:

“... vede que nada aproveitais! Eis ai vai o mundo após ele" (Jo 12.19).

Ora, é óbvio, à luz do contexto, que a palavra 'mundo' aí não quer dizer que toda a humanidade seguia a Jesus, uma vez que os próprios fariseus, que disseram essas palavras, não se­guiam a Jesus! Nessa ocasião, portanto, a palavra 'mundo' in­clui só os circunstantes próximos de Jesus, quer fossem eles ju­deus quer fossem gentios, atraídos entusiasticamente a seguir a Jesus (porque tinham ouvido que ele ressuscitara a Lázaro de entre os mortos).

Tomemos como outro exemplo o texto áureo das Escrituras:

"Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3.16).

Os arminianos naturalmente sustentam que a palavra 'mundo', nesse texto, significa toda a humanidade, porque eles crê­em na pós-destinação (= destino determinado depois que Deus prevê a volição positiva, como obra do homem, para ir a Cristo). Os calvinistas, por outro lado, coerentemente, sustentam que a palavra 'mundo' designa "homens de toda tribo e nação", mas não "todas as tribos e nações, em sua totalidade". Esta interpre­tação é fruto de sua convicção de que a Escritura ensina que a eleição está baseada no propósito de Deus, propósito que não é afetado por qualquer tipo de condição por parte do homem, uma vez que a vontade do homem não é livre, mas escravizada a Satanás, ao pecado e à morte!

Portanto, se cremos que a Bíblia ensina que Deus é sobera­no, que seu plano é imutável e que sua eleição é incondicional, devemos concluir que a expiação é limitada àqueles a quem Deus, livremente, desejou tornar objetos de sua graça, pois graça sig­nifica "favor imerecido". Se é um ato que Deus realiza, sem nenhum mérito da parte do homem, a 'graça', como "favor ime­recido", exclui a eleiçãocondicional, isto é, exclui a eleição baseada no mérito do homem. O ponto de vista arminiano insis­te em afirmar que o ato de fé, por parte do homem, é que o torna merecedor da eleição, de acordo com o pré-conhecimento de Deus. Se fosse assim, o homem seria salvo pelas obras, e não pela graça de Deus. Isso implicaria em que o homem, pelo me­nos, teria condições de fazer alguma coisa que agrada a Deus, e a faria por sua própria livre vontade. Paulo nega essa possibili­dade, quando escreve:

"... sendo justificados gratuitamente por sua graça, me­diante a redenção que há em Cristo Jesus" (Rm 3.24).

Retomando novamente a João 3.16, consideremos a ques­tão: por quem Cristo morreu? Backtrack considera o versículo com as seguintes perguntas:

  1. Quem é que não perecerá, mas terá a vida eterna?
  2. Quem deverá crer, segundo as Escrituras?
  3. Quem, então, está incluído na palavra ‘mundo’?
Intimamente, todos concordarão que a resposta à primeira questão acima é: Todo aquele que crer nele! O arminiano res­ponderá à segunda questão acima, dizendo: Todo aquele que, de sua livre vontade, decidir confiar em Cristo! O calvinista res­ponderá à mesma pergunta, dizendo: Todo aquele que o Pai escolheu em Cristo, por sua livre e soberana vontade. Observemos algo admirável! As posições arminianas e calvinistas con­cordam em que a palavra 'mundo', em termos daqueles por quem Cristo morreu, isto é, em termos dos que crêem, inclui "homens de toda tribo e nação, mas não todas as tribos e nações, como um todo, uma vez que nem todos confiarão em Cristo!

Os arminianos devem, pelo menos, concordar em que o san­gue de Cristo é suficiente, em valor, e que sua morte vicária é de dignidade infinita aos olhos de Deus, e é eficiente ou eficaz so­mente em relação aos eleitos, quer sob o ponto de vista armini­ano, quer sob o ponto de vista calvinista. Atualmente, o ponto de vista arminiano da expiação universal não é sustentável. Sua única saída é dizer que a vontade de Deus é frustrada pelo ho­mem, porque Cristo, ao que se supõe, morreu por todos os ho­mens aos quais Deus quis salvar, porém não pôde fazê-lo! Isto, naturalmente, significaria que Deus não é onipotente, e que Cristo obteve apenas uma pequena vitória na cruz, uma vez que mais homens têm morrido na descrença, do que têm ido à glória atra­vés da fé na obra consumada do Salvador, no Calvário. Alguns reivindicarão as palavras de Pedro:

"... pelo contrário, ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento" (2Pe 3.9).

Correto. Porém, tomemos cuidado com as regras básicas da linguagem, tanto na gramática portuguesa quanto na gramática grega, pois a interpretação é a mesma em ambas as línguas, sen­do igualmente a mesma a conclusão. Comecemos por responder à pergunta: A quem é dirigida a 2ª Epístola de Pedro, na qual se encontram as palavras do texto acima? Ouçamos a resposta do próprio Apóstolo:

"Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo, aos que conosco obtiveram fé igualmente preciosa na justiça de nosso Deus e Salvador Jesus Cristo" (2Pe 1.1).

Ele está escrevendo aos crentes, aos eleitos, àqueles cuja fé descansa na justiça de Deus, e não em alguma condição de jus­tiça própria, por parte do homem.

Em seguida, uma outra questão: Qual é o contexto da passagem na qual se encontra o versículo acima? É o contexto

"onde está a promessa de sua vinda?" (2Pe 3.4).

Pedro acrescenta:

"Não retarda o Senhor sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo para convosco...” (2Pe 3.9).

Pare por um momento e responda simplesmente à pergunta: A quem Pedro se dirige, quando usa o pronome pessoal 'vós'? Refere-se ele a todos, a eleitos e não-eleitos, ou estará escrevendo

“... aos que obtiveram fé igualmente preciosa na justiça de nosso Deus e Salvador Jesus Cristo" (2Pe 1.1)?

É óbvio que Pedro está falando só aos crentes, quando diz 'vós'. Por que o Senhor é longânimo em relação à promessa de sua vinda? Pela simples razão de não querer que

"... nenhum [de vós, isto é, dos crentes] pereça, mas que todos [vós, isto é, os eleitos] cheguem ao arrependimen­to" (2Pe 3.9).

Ninguém pode basear-se em 2Pe 3.9 para apoiar a posição de Arminius, sem violentar o contexto, aplicando-o mal e des­respeitando a correta interpretação tanto no Português como no Grego. A afirmação de Pedra ali, como em toda sua Carta, é a de que Cristo morreu por nós [os eleitos], e não por todo o mundo. Ele está de acordo com Paulo, que escreve:

"Àquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós...” (2Co 5.21).

"Mas Deus prova seu próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido por nós...” (Rm 5.8).

O único significado que convém à palavra 'mundo', na Es­critura, quando relacionada com a salvação dos eleitos, é o que traduz a idéia de "homens de cada tribo e nação", excluindo a idéia de tribos e nações, como um todo. Paulo diz:

“... Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou a seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, não nos dará com ele graciosamente todas as coisas? Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus?..." (Rm 8.31-33).

Cristo não morreu por todos os homens! A expiação é limi­tada! A redenção é particular! Só a noiva eleita de Cristo (a igreja) é o objeto do amor de Deus. Paulo diz:

“... Cristo amou a Igreja e a si mesmo se entregou por ela...” (Ef 5.25).

O todos pelos quais o Senhor morreu são os eleitos que o Pai escolheu e entregou ao Filho, como "uma noiva santa e sem defeito". Deus, o Pai, não nos elegeu porque éramos santos e Sem defeito. Paulo diz:

“... assim como nos escolheu nele [Cristo] antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele..." (Ef 1.4,5).

Não escolhidos porque, mas escolhidos para que pudésse­mos ser santos e sem defeito diante de Deus. Fomos predestina­dos em amor, não porque em lugar algum da Escritura a expres­são "amados de Deus" é aplicada a quaisquer outras pessoas, senão aos santos. Nunca é aplicada ao 'mundo' em geral, de modo a incluir os reprovados. Sobre estes prevalece o "juízo de Deus", ao passo que, para aqueles (os santos) "não há condena­ção". Só os eleitos são objeto específico do amor de Deus! Eis o que diz o apóstolo Paulo:

"Graça a vós outros e paz da parte de Deus nosso Pai e do [nosso] Senhor Jesus Cristo, o qual se entregou a si mesmo por nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai, a quem seja a glória pelos séculos dos séculos. Amém" (Gl 1.3-5).

Vejamos um exemplo claro de que a Bíblia ensina que a expi­ação é limitada. No capítulo 10 do Evangelho de João, nosso Se­nhor identifica-se com Jeová, o "Bom Pastor" do Salmo 23. Quando ele fala de suas 'ovelhas', é óbvio que ele está se refe­rindo aos eleitos que o Pai lhe deu por sua livre vontade. Ele diz:

"Eu sou o bom pastor; conheço minhas ovelhas, e elas me conhecem a mim" (Jo 10.14).

Quem são as ovelhas que o conhecem e quais as que ele conhece? Suas ovelhas são todos os crentes, os eleitos. Ele diz:

“... Eu dou minha vida pelas ovelhas" (Jo 10.15).

Em outras palavras: Quando Cristo deu sua vida na cruz do Calvário, deu-a por suas ovelhas, os eleitos do Pai! Não são to­dos os homens que estão incluídos na expressão "minhas ove­lhas". Portanto, Cristo não deu sua vida por todos os homens. Aos que estavam ao seu redor, naquela ocasião, ele disse:

"Mas vós não credes, porque não sais de minhas ovelhas" (Jo 10.26).

Os reprovados, os não-eleitos, os descrentes não estão incluídos no número daqueles por quem Cristo deu sua vida. Ele morreu só por suas ovelhas. Além do mais, quando ele as chama pelo nome, elas o seguem, mesmo porque o Pai predestinou-as para fazê-lo. Notemos as palavras de Cristo:

"Minhas ovelhas ouvem minha voz; eu as conheço, e elas me seguem" (Jo 10.27).

Ele dá a vida eterna como um dom gratuito àqueles que o Pai lhe deu antes que o Universo fosse criado. A salvação é obra do Deus irresistível e onipotente, o único que é "maior do que todos" os outros, tanto homens quanto anjos!

"Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar" (Jo 10.29).

As Escrituras não ensinam que Cristo morreu para salvar a todos de seus pecados. Afirma-nos, e claramente, que a morte de Cristo foi consumada para a salvação de seu povo, que o Pai escolheu desde a eternidade. Como diz Pedro:

"Vós, porém, sais raça eleita... nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus...” (1Pe 2.9).

Por que, pois, os calvinistas crêem na expiação limitada? Pela simples e boa razão calcada no fato de Cristo e seus santos Apóstolos crerem nela e a ensinarem! Veja-se o que diz Mateus:

"Ela dará à luz um Filho e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará seu povo dos pecados deles”. (Mt 1.21).

E Paulo afirma:

"Mas Deus prova seu próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pe­cadores" (Rm 5.8).

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Fonte: TULIP – Os Cinco Pontos do Calvinismo à Luz das Escrituras, Edições Parakletos, 2º Ed., 2000.


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