sábado, 20 de agosto de 2011

O PRAZER CRISTÃO

Por John Piper

Como Passei a Buscar o Prazer Cristão
 
 
Você pode virar o mundo de pernas para o ar apenas mudando uma palavra em seu credo. A tradição antiga diz: O fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo plena e eternamente.

"E"? Como arroz e feijão? Às vezes você glorifica Deus e às vezes se alegra nele? Às vezes ele recebe a glória, e às vezes você recebe a alegria? "E" é uma palavra muito ambígua! Que relação essas duas coisas têm entre Si?

É evidente que os antigos teólogos não achavam que estavam falando de duas coisas. Eles disseram "fim supremo e principal", não "principais finalidades". Glorificar a Deus e gozá-lo eram uma finalidade em sua mente, não duas. Como pode ser isso?
É disso que trata esse livro.

Não que eu me importe muito com a intenção de teólogos do século XVII. Importo-me, porém, tremendamente com a intenção de Deus na Bíblia. O que Deus tem a dizer sobre a principal finalidade do ser humano? Como Deus nos ensina a dar-lhe glória? Ele nos ordena a nos alegrar nele? Nesse caso, como essa busca da alegria em Deus se relaciona com tudo mais? Sim, tudo! "Quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus".
A preocupação principal desse livro é que em tudo na vida Deus seja glorificado da maneira que ele indicou. Com esse objetivo, esse livro pretende convencê-lo de que: O fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus ao gozá-lo plena e eternamente.

Como passei a buscar o prazer cristão

Quando estava na universidade eu tinha uma noção vaga e difusa de que, se eu fizesse alguma coisa boa porque isso me deixaria feliz, eu estragaria o que havia de bom nela.
Descobri que o que havia de bom nas minhas ações morais era diminuído à medida que eu era motivado pelo desejo do meu próprio prazer. Naquela época, comprar sorvete na cantina dos estudantes apenas por prazer não me incomodava, porque as conseqüências morais dessa ação pareciam ser tão insignificantes. Mas ser motivado pelo anseio por felicidade ou prazer quando me apresentava como voluntário para o trabalho cristão ou quando ia ao culto isso me parecia egoísta, utilitário, mercenário.
Isso era um problema para mim, porque não conseguia formular um motivo alternativo que funcionasse. Encontrei em mim um anseio imenso de ser feliz, um impulso tremendamente poderoso para buscar o prazer, mas a cada momento de tomar uma decisão moral eu dizia a mim mesmo que esse impulso não devia influenciar-me.
Uma das áreas de maior frustração era a de adoração e louvor. Minha noção vaga de que, quanto mais elevada fosse a atividade, menos deveria haver de interesse próprio nela, fazia-me pensar no louvor quase exclusivamente em termos de dever. E isso tira a essência da coisa.
Então fui convertido ao prazer cristão. Em questão de semanas vim a compreender que é antibíblico e arrogante tentar adorar a Deus por qualquer outra razão que não o prazer de estar nele. (Não passe por cima dessa última palavra: nele. Não em seus dons, mas nele. Não em nós mesmos, mas nele.) Permita-me descrever a série de constatações que me levaram a buscar o prazer cristão. Ao longo do caminho espero que fique claro o que quero dizer com essa frase tão estranha.

1) Durante o meu primeiro trimestre no seminário fui apresentado ao argumento em favor do prazer cristão e a um dos seus grandes defensores, Blaise Pascal. Ele escreveu:

Todas as pessoas buscam a felicidade. Nãoexceção para isso. Sejam quais forem os meios diferentes que empreguem, todos objetivam esse alvo. A razão de alguns irem à guerra, e de outros a evitarem, é o mesmo desejo em ambos, visto de perspectivas diferentes. A vontade nunca dará o último passo em outra direção. Esse é o motivo de cada ação de todo ser humano, mesmo dos que se enforcam.1

Essa declaração combinou tão bem com meus próprios anseios profundos e com tudo o que sempre tinha visto nos outros, que a aceitei e jamais encontrei alguma razão para duvidar dela. O que chamou especialmente minha atenção foi que Pascal não estava fazendo algum julgamento moral desse fato. No que lhe dizia respeito, buscar a própria felicidade não era pecado; é um traço comum da natureza humana. É uma lei do coração humano, assim como a gravidade é uma lei da natureza.
Esse pensamento fez muito sentido para mim, e abriu o caminho para a segunda descoberta.

2) No tempo da faculdade, eu aprendera a apreciar muito a obra de C. S. Lewis. Contudo, apenas bem mais tarde comprei o sermão intitulado "Peso de glória". A primeira página desse sermão é uma das mais influentes páginas literárias que jamais li. Diz assim:

Se você perguntasse a vinte homens íntegros dos nossos dias qual acreditam ser a maior das virtudes, dezenove responderiam: "abnegação". Mas se perguntasse a qualquer um dos grandes cristãos do passado ele diria: "amor". Você percebe o que aconteceu? O termo positivo foi substituído por um negativo, e isso tem importância maior do que apenas o aspecto filológico. O ideal de abnegação traz consigo, basicamente, a noção não de procurar o beneficio dos outros, mas de prescindirmos nós desse benefício, como se o importante fosse não a felicidade alheia, mas a nossa abstenção. Não me parece ser essa a virtude cristã do amor. O Novo Testamento tem muito a declarar sobre renúncia, mas não da renúncia como um fim em si. Ele diz-nos que devemos negar a nós mesmos e tomar a nossa cruz para poder seguir a Cristo. E quase todas as descrições da recompensa que se seguirá a essa renúncia contêm um apelo ao desejo natural de felicidade.

Se hoje a noção de que é errado desejar a nossa felicidade e esperar ansiosamente gozá-la esconde-se na maioria das mentes, afirmo que ela surgiu em Kant ou nos estóicos, mas não na cristã. Na realidade, se considerarmos as promessas pouco modestas de galardão e a espantosa natureza das recompensas prometidas nos evangelhos, diríamos que nosso Senhor considera nossos desejos não demasiadamente grandes, mas demasiadamente pequenos. Somos criaturas divididas, correndo atrás de álcool, sexo e ambições, desprezando a alegria infinita que se nos oferece, como uma criança ignorante que prefere continuar fazendo bolinhos de areia numa favela, porque não consegue imaginar o que significa um convite para passar as férias na praia. Contentamo-nos com muito pouco.2
Estava tudo ali às claras, e para minha mente era totalmente convincente: não o errado desejar o próprio bem. De fato, o grande problema das pessoas é que é muito fácil satisfazê-las. Não buscam o prazer nem de longe com a determinação e a paixão com que deveriam. Assim, contentam-se com bolos de barro, e não com delícias infinitas.
Nunca antes em minha vida eu tinha ouvido algum cristão, muito menos um da estatura de Lewis, dizer que todos nós não apenas buscamos (como disse Pascal), mas também devemos buscar nossa própria felicidade.
Nosso erro não está na intensidade do nosso anseio por felicidade, mas na sua fraqueza.

3) A terceira conclusão estava ali no sermão de Lewis, mas Pascal a deixou mais explícita. Ele continua e diz:

O homem teve a verdadeira felicidade, da qual agora resta nele apenas o sinal e o espaço vazio, que ele tenta em vão preencher com as coisas ao seu redor, procurando em coisas ausentes a ajuda que não obtém nas coisas presentes. Essas, porém, são todas incapazes, porque o abismo infinito pode ser preenchido somente por um objeto infinito e imutável, ou seja, apenas pelo próprio Deus.3

Olhando para trás agora, isso parece tão evidentemente óbvio, que não sei como pude deixar de vê-lo antes. Por todos aqueles anos eu tentara reprimir meu tremendo anseio por felicidade para poder louvar a Deus honestamente a partir de algum motivo mais "elevado", menos egoísta. Agora começara a fazer sentido que esse suspiro persistente e inegável por felicidade não devia ser reprimido, mas satisfeitoem Deus! A convicção crescente de que o louvor devia ser motivado apenas por essa felicidade que encontramos em Deus pareceu-me cada vez menos estranha.

4) A próxima percepção veio novamente de C. S. Lewis, que desta vez das suas Reflections on the Psalms. O capítulo nove desse livro tem o modesto título: "Uma palavra sobre o louvor". Em minha experiência, essa tem sido a palavra sobre louvor — a melhor palavra sobre a natureza do louvor que jamais li. Lewis diz que, quando estava começando a crer em Deus, um grande empecilho foram as várias exigências, dispersas pelos salmos, de que deveria louvar a Deus. Ele não via o sentido disso tudo; além disso, parecia que isso mostrava Deus ansiando "por nossa adoração como uma mulher vaidosa por elogios". Ele passa a mostrar porque estava errado:

O fato mais óbvio sobre o louvor, porém — seja de Deus, seja de qualquer coisaestranhamente me escapara. Eu o considerava um tipo de elogio, aprovação, ou honra. Jamais eu percebera que toda alegria transborda espontaneamente cm louvor. [...] O mundo ressoa do louvor: apaixonados louvam suas amadas; leitores, seu poeta favorito; caminhantes, a paisagem; jogadores, seu jogo predileto...
Minha dificuldade maior e mais geral com o louvor de Deus dependia do absurdo de querer negar, no que tange ao Valor supremo, o que gostamos de fazer, o que na verdade não conseguimos deixar de fazer, acima de qualquer outra coisa que valorizamos.
Creio que gostamos de louvar o que nos alegra porque o louvor não apenas expressa mas completa a alegria; ele é sua consumação pretendida.4

Esse era o elemento que faltava à minha busca do prazer. Louvar a Deus, a vocação mais elevada da humanidade e nosso chamado eterno, não implicava renúncia, antes a consumação da alegria que eu tanto desejava. Meu antigo esforço de realizar a adoração sem interesse próprio nela provou ser uma contradição de termos. Nós adoramos apenas o que nos compraz. Não existe algo como adoração triste ou louvor infeliz.

Temos um nome para os que tentam louvar quando não têm prazer no objeto. Nós os chamamos de hipócritas. Esse fatoque o louvor significa prazer completo e que a finalidade primordial do ser humano é beber intensamente desse prazertalvez tenha sido a descoberta mais libertadora que jamais fiz.

5) Em seguida, voltei aos salmos em proveito próprio, e encontrei a linguagem do prazer em todo lugar. A busca do prazer nem mesmo era opcional, mas compulsória: "Agrada-te do Senhor, e ele satisfará os desejos do teu coração" (Sl 37.4).

O salmista tentou fazer exatamente isso: "Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo" (Sl42.1, 2). "A minha alma tem sede de ti; meu corpo te almeja, como terra árida, exausta, sem água" (Sl 63.1). O tema da sede tem sua contrapartida de matar a sede quando o salmista diz que as pessoas "fartam-se da abundância da tua casa, e na torrente das tuas delícias lhes dás de beber" (Sl 36.8).

Descobri que a bondade de Deus, que é a própria base da adoração, não é algo que você saúda num gesto de reverência desinteressado. Não, devemos nos regozijar nela: "Oh! Provai e vede que o Senhor é bom" (Sl 34.8). "Quão doces são as tuas palavras ao meu paladar! Mais que o mel à minha boca" (Sl 119.103).
Como diz C. S. Lewis, nos salmos Deus é o "objeto que a tudo satisfaz". Seu povo o adora sem constrangimento, pela "grande alegria" que encontra nele (Sl 43:4). Ele é a fonte de prazer completo e infindável: "Na tua presençaplenitude de alegria, na tua destra, delícias perpetuamente" (Sl 16.11).

Essa é a breve história de como passei a ser um cristão que busca o prazer. Tenho meditado nessas coisas por cerca vinte e oito anos, e disso emergiu uma filosofia que toca praticamente todas as áreas da minha vida. Tenho a convicção de que ela é bíblica, de que preenche os anseios mais profundos do meu coração e de que honra o Deus e Pai do nosso senhor Jesus Cristo. Escrevi esse livro para recomendar essas coisas a todos os que quiserem escutar.

Muitas objeções se levantam na mente das pessoas quando me ouvem falando desse jeito. Espero que o livro responda aos questionamentos mais sérios. Mas talvez eu possa desarmar de antemão um pouco da resistência, fazendo alguns comentários esclarecedores.

Primeiro, o prazer cristão, no sentido com que eu uso o termo, não quer dizer que Deus se torna um meio de ajudar-nos a conseguir prazeres mundanos. O prazer que o cristão busca é o que está no próprio Deus. Ele é o fim da nossa busca, não o meio para algum outro fim. Nossa grande alegria é ele, o Senhornão as ruas de ouro, ou a reunião com parentes ou qualquer outra bênção do céu. O prazer cristão não reduz Deus a uma chave que abre um baú cheio de prata e ouro. Antes, ele busca transformar o coração de tal modo que "o Todo-poderoso será o teu ouro e a tua prata escolhida" (Jó 22.25).

Segundo, o prazer cristão não faz do nosso prazer um deus. Ele diz que fizemos um deus de tudo mais em que temos prazer. O objetivo do prazer cristão é ter o maior prazer no único Deus, evitando assim o pecado da cobiça, que é idolatria (Cl 3.5).

Terceiro, o prazer cristão não nos coloca acima de Deus quando o buscamos com interesse pessoal. Um paciente não é maior que seu médico. Direi mais sobre isso no capítulo três.

Quarto, o prazer cristão não é uma "teoria geral de justificação moral".5 Em outras palavras, em nenhum lugar eu digo: uma ação é correta porque gera prazer. Meu objetivo não é decidir o que é certo usando a alegria como critério moral. Meu objetivo é fundamentar o fato espantoso e muito negligenciado de que algumas dimensões da alegria são um dever moral em toda adoração genuína e em todos os atos virtuosos. Eu não digo que amar a Deus é bom porque traz alegria. Eu digo que Deus ordena que encontremos alegria amando a Deus ("Deleita-te no Senhor", Sl 37.4). Eu não digo que amar pessoas é bom porque traz alegria. Eu digo que Deus nos ordena que encontremos alegria em amar as pessoas ("Quem exerce misericórdia, [faça-o] com alegria", Rm 12.8).6
Não me aproximo da Bíblia com uma teoria hedonista de justificação moral. Pelo contrário, encontro na Bíblia o mandamento divino de ser alguém que busca o prazer - Isto é, de esquecer os prazeres do mundo, inferiores, pouco vantajosos, efêmeros, que nunca satisfazem, destroem pessoas e desfazem de Deus, e de vender tudo "transbordante de alegria" (Mt 13.44 ) para ler o reino do céu, e assim "entrar no gozo do seu senhor" (Mt 25:21,23). Em resumo, sou um cristão que busca o prazer não por alguma razão filosófica ou teórica, mas porque Deus o ordena (mesmo concedendo que ele não manda que usemos esses termos!).

Quinto, eu não digo que a relação entre amor e felicidade é esta: "verdadeira felicidade requer amor". Isso seria uma simplificação exagerada, que deixa de lado a questão crucial e definitiva. O traço que distingue o prazer cristão não é que a busca do prazer requer virtude, mas que a virtude consiste essencialmente, mesmo que não apenas, na busca do prazer.
A razão por que chego a essa conclusão é que não estou agindo aqui como um hedonista filosófico, mas como um teólogo bíblico e pastor (im­precisa seguir os mandamentos divinos:
De "amar a misericórdia" (não apenas exercê-la, Mq 6.8);
De "exercer misericórdia com alegria" (Rm 12.8);
De sofrer "com alegria o espólio dos bens", em benefício dos prisioneiros (Hb 10.34);
De "dar com alegria" (2Co 9.7);
De tornar nossa alegria a alegria dos outros (2Co 2.3);
De pastorear o rebanho de Deus de boa vontade, "desejoso de servir" (1Pe 5.2, nvi); e
De atender às necessidades espirituais das pessoas "com alegria" (Hb 13.17).

Quando você reflete por tempo e profundidade suficientes nesses mandamentos surpreendentes, as implicações morais são de nos deixar pasmos. O cristão que busca o prazer tentará levar esses mandamentos divinos vitalmente a sério. A conclusão é penetrante e muda radicalmente nossa vida: a busca da virtude genuína inclui a busca da alegria, porque a alegria é um componente essencial da verdadeira virtude. Isso é diametralmente oposto a dizer: Vamos todos ser bons porque isso nos fará felizes.
Sexto, o prazer cristão não é uma distorção dos catecismos de reformados e históricos. Essa foi uma das críticas de Richard Mouw em seu livro The God who commands. Disse ele:
Piper talvez consiga alterar a primeira resposta no Catecismo de Westminster — de modo que glorificar e gozar a Deus se torna glorificar ao gozar a divindadepara servir a seus propósitos hedonistas, mas é um pouco mais difícil alterar as primeiras linhas do Catecismo de Heidelberg: que eu, de corpo e alma, na vida como na morte, não pertenço a mim mesmo, mas ao meu fiel Salvador Jesus Cristo.7

O que é marcante no começo do Catecismo de Heidelberg não é que eu não posso alterá-lo com propósitos hedonistas, mas que eu não preciso fazê-lo. se coloca todo o catecismo sob o anseio humano de "consolo". Primeira pergunta: "Qual é sua única fonte de consolo na vida e na morte?". A questão premente para os críticos do prazer cristão é: Por que os homens que elaboraram esse catecismo de quatrocentos anos estruturam todas as 129 perguntas de modo tal que elas são uma exposição da pergunta: "Qual é minha única fonte de consolo?".

Ainda mais digno de nota é ver a preocupação com a "felicidade" emergir explicitamente na segunda pergunta do catecismo, que serve de esboço para as restantes: "Quantas coisas você precisa saber para poder viver e morrer feliz (seliglich) nesse consolo (Troste)?". Assim, o tema abrangente do "consolo" é esclarecido essencialmente como "felicidade", e todo catecismo é uma resposta à preocupação de como viver e morrer feliz.
A resposta a essa segunda pergunta do catecismo é: "Três coisas: primeira, a enormidade do meu pecado e minha miséria. Segunda, como sou redimido de todos os meus pecados e miséria. Terceira, como devo ser grato a Deus por tamanha redenção". Em seguida, o restante do catecismo é dividido em três seções, para tratar dessas três coisas: "Primeira parte: a desgraça humana" (perguntas 3-11); "Segunda parte: a redenção humana" (perguntas 12-85); e "Terceira parte: a gratidão" (perguntas 86-129). O sentido disso é que todo o Catecismo de Heidelberg foi escrito para responder à pergunta: O que preciso saber para viver feliz?

Fico surpreso por alguém pensar que o prazer cristão precisa "alterar as primeiras linhas do Catecismo de Heidelberg". O fato é que todo o catecismo foi estruturado da maneira como o prazer cristão o faria. Por isso o prazer cristão não distorce os catecismos reformados históricos. Tanto o Catecismo de Westminster como o de Heidelberg começam com a preocupação com o prazer do ser humano em Deus, ou sua busca por "viver e morrer feliz". Não tenho qualquer desejo de inventar novidades doutrinárias. Estou contente por ter sido o Catecismo de Heidelberg escrito quatrocentos anos atrás.

Definindo o que é prazer cristão

Maneiras novas de olhar para o mundo (mesmo que sejam de séculos atrás) não se prestam a definições simples. É preciso um livro inteiro para que as pessoas possam começar a entender. Juízos rápidos e superficiais estarão quase com certeza errados. Abstenha-se de conjecturar o que está nas páginas desse livro! A suposição de que aqui temos mais um subproduto da escravização do homem moderno à centralidade de Sl mesmo passará longe do alvo. Ah, quantas surpresas estão pela frente!
Eu preferiria deixar uma definição do prazer cristão para o fim do livro, quando os mal-entendidos deverão ter sido desfeitos. Um escritor geralmente deseja que sua primeira frase seja lida à luz da última, e vice-versa! Mas, tudo bem, é preciso começar em algum lugar. Assim, forneço a seguinte pré-definição, na esperança de que ela seja interpretada com simpatia, à luz do restante do livro:

O prazer cristão é uma filosofia de vida baseada nas cinco convicções seguintes:

1) O anseio por ser feliz é uma experiência humana universal, e é algo bom, não pecaminoso;
Jamais devemos tentar negar ou resistir ao nosso anseio por ser felizes, como se isso fosse um impulso mau. Pelo contrário, devemos tentar intensificar esse anseio e alimentá-lo com tudo que proveja a satisfação mais profunda e permanente;
A felicidade mais profunda e permanente encontra-se apenas em Deus. Não com origem em Deus, mas em Deus; A felicidade que encontramos em Deus atinge sua consumação quando compartilhada com outros nos multiformes caminhos do amor; Na mesma medida em que tentamos abandonar a busca do prazer próprio, deixamos de honrar a Deus e de amar as pessoas. Ou, para usar termos afirmativos: a busca do prazer é parte necessária de toda adoração e virtude. Ou seja, O fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus ao gozá-lo plena e eternamente.

A raiz da questão

Esse livro será predominantemente uma meditação nas Escrituras. Será expositivo e não especulativo. Se eu não puder mostrar que o prazer cristão vem da Bíblia, não posso esperar que alguém se interesse por ele, muito menos que se convença. Há milhares de filosofias feitas por homens na vida. Se esta for mais uma, deixe-a de lado. Há apenas uma rocha: a Palavra de Deus. No final das contas, apenas uma coisa importa: glorificar a Deus da maneira por ele indicada. É por isso que busco o prazer cristão. Por isso escrevi esse livro.

NOTAS

1Blaise Pascal, Pascais Pensées. Nova York, E. P. Dutton, 1958, p. 113, pensamento nº 425
2C. S. Lewis, Peso de glória. São Paulo, Vida Nova, 1993, p. 11-12.
3Pascais Pensées, p. 113.
4C. S. Lewis, Reflections on the Psalms. Nova York, Harcourt, Brace and World, 1958, p. 94, 95
5Uma das críticas mais extensas e sérias ao prazer cristão publicada depois de Desiring God é de Richard Mouw, The God who commands (Notre Dame, Notre Dame Press, 1990). A citação foi tirada da p. 33 (ênfase acrescentada).
6Entre outros textos que revelam o dever da alegria em Deus ordenado por Deus estão Dt 28.47; ICr 16.31,33; Ne 8.10; Sl 32.11; 33.1; 35.9; 40.8, 16; 42.1, 2; 63.1, 11; 64.10 95.1; 97.1, 12; 98.4; 104.34; 105.3; Is 41.16; Jl 2.23; Zc 2.10; 10.7; Fp 3.1; 4.4. Entre os textos que mencionam o mandamento divino de alegrar-se amando os outros estão 2Co 9.7; cf. At 20.35; Hb 10.34; 13.17; lPe 5.2. 7Richard Mouw, The God who commands, p. 36.

Fonte: Teologia da alegria: A plenitude da satisfação em Deus / John Piper   São Paulo: Shedd, 2001.

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