terça-feira, 2 de agosto de 2011

A OBEDIÊNCIA HUMILDE, VERDADEIRA IMITAÇÃO DE CRISTO

Por João Calvino

I. A Escritura é a regra da vida
1. A meta da nova vida em Cristo é que os filhos de Deus demonstrem a melodia e a harmonia de Deus em sua condu­ta. Que melodia? A canção do Deus de justiça. Que harmonia? A harmonia entre a justiça de Deus e a nossa obediência.
Andando unicamente na maravilhosa lei de Deus, podemos estar seguros de nossa adoção como filhos do Pai.
A lei de Deus contém em si mesma a dinâmica da nova vida por meio da qual Ele restaura sua imagem em nós. Porém, por natureza, somos preguiçosos e negligentes; portanto, neces­sitamos da ajuda e do estímulo de um princípio que nos guie em nossos esforços. Um arrependimento sincero de coração não garante que não venhamos a nos desviar do caminho reto. E, como agravante, muitas vezes, nos encontramos perplexos e desconcertados.
Busquemos, pois, na Escritura, o princípio fundamental para reformar e orientar nossa vida.
2. A escritura contém um grande número de exortações. E, para tratar de todas elas, necessitaríamos de um grande vo­lume.
Os Pais da Igreja escreveram grandes obras sobre as virtu­des necessárias à vida cristã. São escritos de um significado tão valioso que nem os eruditos mais hábeis poderiam esgotar as profundidades de uma virtude.
Todavia, para uma devoção pura, não é necessário ler as excelentes obras dos Pais da Igreja, mas somente entender a regra básica da Bíblia[1].
3. Ninguém deveria tirar a conclusão de que a brevidade de um tratado sobre a conduta cristã faz com que os escritos elabo­rados por outras pessoas sejam supérfluos, ou que sua filosofia não tenha valor.
Contudo, os filósofos estão acostumados a falar dos princí­pios gerais e regras específicas; porém, as Escrituras têm uma ordem própria.
Os filósofos são ambiciosos e, por conseguinte, demons­tram uma estranha lucidez e uma hábil ingenuidade. Mas as Es­crituras têm uma esplêndida precisão e uma certeza que supera todos os filósofos.
Os filósofos, amiúde, fazem demonstrações comovedoras; mas o Espírito Santo tem um método diferente (direto, simples e compreensível), o qual não deve ser subestimado[2].

II. A santidade é o princípio-chave

1. O plano das Escrituras para a vida de um cristão é du­plo: primeiro, que sejamos instruídos na lei para amar a reti­dão, porque por natureza não estamos inclinados a fazê-lo; segundo, que aprendamos umas regras simples mas importantes, de modo a não desfalecermos nem nos debilitarmos em nosso caminho.
Das muitas recomendações excelentes que as Escrituras fazem, não há nenhuma melhor que este princípio: “Sede santos porque eu sou santo”.
Quando andávamos espalhados como ovelhas sem pastor e perdidos no labirinto do mundo, Cristo nos chamou e nos reuniu para que pudéssemos voltar-nos a para Ele.
2. Ao ouvirmos qualquer menção de nossa união mística com Cristo, deveríamos recordar que o único meio dele desfrutá-la é a santidade.
A santidade não é um mérito por meio do qual podemos obter a comunhão com Deus sem um dom de Cristo, pois é Ele quem nos capacita para estarmos unidos à Sua pessoa e a se­gui-lo.
É a própria glória de Deus que não pode ter nada a ver com a iniqüidade e a impureza; portanto, se queremos prestar aten­ção à sua exortação, é imprescindível que tenhamos sempre pre­sente esse princípio.
Se no transcurso de nossa vida cristã queremos permanecer vinculados aos princípios mundanos, para que então fomos res­gatados da iniqüidade e da contaminação deste mundo?
Se desejamos pertencer a seu povo, a santidade do Senhor nos admoesta a que vivamos na Jerusalém santa de Deus.
Jerusalém é urna terra santa; logo, não pode ser profanada por habitantes de conduta impura.
O salmista disse: “Jeová, quem habitará em teu tabernácu­lo? Quem morará em teu monte santo? O que anda em integri­dade, faz justiça e fala a verdade em seu coração”.
O santuário do altíssimo deve manter-se imaculado (ver Lv 19.2; I Pd 1.16; Is 35.10; SI 15.1,2 e 24.3,4).

III. A santidade significa obediência total a Cristo

1. As escrituras não nos ensinam somente o princípio da santidade, mas também nos diz que Cristo é o caminho a este princípio.
Posto que o Pai nos tem reconciliado consigo mesmo por meio de Cristo, Ele nos ordena que sejamos moldados à sua imagem.
Àqueles que pensam que os filósofos têm um sistema melhor de conduta, lhes pediria que nos mostrassem um plano mais excelente do que obedecer e seguir a Cristo.
A virtude mais sublime de acordo com os filósofos é viver a vida de acordo com a natureza. Todavia, as Escrituras nos mos­tram Cristo como nosso modelo e exemplo perfeitos.
Deveríamos
exibir o caráter de Cristo em nossas vidas, pois o que pode ser mais efetivo para nosso testemunho e de mais valor para nós mesmos?
2. O senhor nos tem adotado para que sejamos Seus filhos sob a condição de que revelemos uma imitação de Cristo, que é o Mediador da nossa adoção.
A menos que nos consagremos de maneira devota e ardente à justiça de Cristo, não nos afastaremos de nosso Criador, como também estaremos renunciando voluntariamente ao nosso salvador.
3. As Escrituras fazem sua exortação com as promessas sobre as incontáveis bênçãos de Deus e o fato eterno e consumado da nossa salvação.
Portanto, posto que Deus tem revelado a si mesmo como Pai, se não nos comportarmos como seus filhos, seremos culpa­dos da ingratidão mais desprezível.
que Cristo nos tem unido ao seu corpo como membros, deveríamos desejar fervorosamente não desagradá-lo em nada. Cristo, nosso cabeça, ascendeu aos céus; portanto, deveríamos deixar para trás os desejos da carne e elevar nossos corações a Ele.
Uma vez que o Espírito Santo nos tem consagrado como templos de Deus, proponhamos a nós mesmos, em nossos cora­ções, não profanar Seu santuário; antes manifestemos Sua gló­ria.
Tanto nossa alma como nosso corpo estão destinados a herdar uma coroa incorruptível. Devemos então manter ambos puros e sem mancha até o dia do nosso Senhor.
Esses são os melhores fundamentos para um código corre­to de conduta. Os filósofos nunca se elevam por sobre a dignidade natural do homem; mas as Escrituras apontam-nos nosso salvador sem mancha, Cristo Jesus (ver Rm 6.4; 8.29).

IV. Um cristianismo externo não é suficiente

1. Perguntemos àqueles que não possuem nada mais do que a membresia de uma igreja e que apesar disso desejam ser chamados de cristãos, como podem glorificar o sagrado nome de Cristo.
Somente aquele que tem recebido o verdadeiro conheci­mento de Deus, por meio da Palavra do Evangelho, pode chegar a ter comunhão com Cristo.
O apóstolo disse que ninguém que não tenha posto de lado a velha natureza, com sua corrupção e concupiscências, pode dizer que tenha recebido o verdadeiro conhecimento de Cristo.
O conhecimento externo de Cristo é uma crença perigo­sa, não importando quão eloqüentes possam ser as pessoas que o têm.
2. O evangelho não é uma doutrina do discurso, mas da vida. Não se pode assimilá-lo por meio da razão e da memória, única e exclusivamente, pois se chega a compreendê-lo, total­mente, quando Ele possui toda a alma e penetra no mais profundo do coração.
Os cristãos nominais devem parar de insultar a Deus jac­tando-se de serem aquilo que não são.
Devemos ater-nos, em primeiro lugar, ao conhecimento da nossa , pois ela é o princípio da nossa salvação.
A menos que nossa ou religião causem uma mudança em nosso coração e em nossas atitudes nos transformando em no­vas criaturas, não nos serão muito proveito.
3. Os filósofos condenam e excluem de sua companhia to­dos aqueles que professam conhecer a arte de viver a vida, considerando-os apenas como crianças gaguejantes.
Com muito mais razão, os cristãos deveriam detestar aque­les que têm o Evangelho em seus lábios e não em seus corações.
Comparadas com as convicções, os afetos e a força sem limites dos verdadeiros crentes, as exortações dos filósofos são frias e sem vida (ver Ef 4.20 e ss).

V. O progresso espiritual é necessário

1. Não devemos insistir em uma perfeição absoluta em nos­sos companheiros cristãos, por mais que lutemos por consegui-la nós mesmos.
Seria injusto exigirmos uma perfeição evangélica antes de constatarmos se uma pessoa é verdadeiramente cristã.
Se instituíssemos uma norma de perfeição total para os cristãos, não existiria nenhuma igreja, posto que todos nós es­tamos muito longe de serem cristãos de fato ideais Afinal, teríamos que recusar muitos que podem fazer um progresso lento.
2. A perfeição deve ser a meta final para a qual devemos dirigir-nos e o propósito supremo em nossas vidas.
Não é justo fazermos um compromisso com Deus e trate­mos de cumprir parte de nossas obrigações omitindo outras, se­gundo nosso gosto e capricho.
Antes de tudo, o Senhor deseja sinceridade em Seu serviço e simplicidade de coração, sem engano nem falsidade.
Uma mente dividida está em conflito com a vida espiritual, posto que esta implica uma devoção sincera a Deus em busca de santidade e retidão.
Ninguém, nesta prisão terrena do corpo, tem suficiente força própria para seguir adiante com uma constante vigilância e cuida­do. Ademais, a grande maioria dos cristãos padece de uma debili­dade tal que se desviam ou se detêm em seu progresso espiritual, tendo como conseqüência avanços muito lentos e escassos.
3. Deixemos que cada um proceda de acordo com a habili­dade que lhe foi dada e continue assim a peregrinação em que se tem empenhado.
Nãohomem tão infeliz e inapto que, pouco a pouco, não tenha conseguido um pequeno progresso.
Não cessemos de fazer todo o possível para ir os incessan­temente mais adiante no caminho do Senhor; e não nos desespe­remos por causa de nossas escassas conquistas.
Ainda que não cheguemos ao nível espiritual que espera­mos ou desejamos, nossa labuta não está perdida se é que o dia de hoje ultrapassa em qualidade espiritual o dia de ontem.
4. A única condição para o verdadeiro progresso espiritual é a de que permaneçamos sinceros e humildes.
Mantenhamos em mente nossa meta final e avancemos so­bre ela com toda a nossa vontade.
Não caiamos no orgulho nem nos entreguemos às paixões pecaminosas.
Exercitemos com diligência para alcançarmos uma norma mais alta de santidade, até que tenhamos chegado ao melhor de nossa qualidade espiritual, na qual devemos persistir ao longo da nossa vida. Somente chegaremos à perfeição absoluta quan­do, libertados deste corpo corruptível, formos admitidos por Deus em Sua presença.
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Fonte: A Verdadeira Vida Cristã, João Calvino, Fonte Editorial, 4ª edição, 2008, págs. 21-28.
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Notas:
[1] Aqui Calvino insere: “Não sou a pessoa certa para escrever copiosamente que amo a brevidade. É provável que o intente no futuro; de todas as formas, deixarei esta tarefa para os outros”.
[2] Evidentemente Calvino está pensando aqui em 1Co 1.3.


Extraído do
site: Eleitos de Deus
 

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